As definições e as diferenças entre descentralização administrativa e desconcentração administrativa costumam ser cobradas com muita freqüência nas provas de Direito Administrativo de qualquer concurso público. O assunto não é difícil, embora não seja raro encontrarmos equívocos em muitos materiais preparatórios.
O estudo da descentralização e da desconcentração relaciona-se à matéria “prestação de serviços públicos”, mas nela não se esgota. A Constituição de 1988, em seu art. 175, até hoje não alterado por emendas constitucionais, é categórica ao atribuir ao Poder Público a competência para a prestação de serviços públicos. Esses, portanto, serão, em qualquer hipótese, prestados pelo Poder Público da União, dos estados, dos municípios ou do DF, conforme a repartição administrativa de competências plasmada nos arts. 21, 23, 25, 30 e 32 da Carta Política.
A prestação de serviços públicos, nos termos do mesmo art. 175 da Constituição, pode ser feita de forma direta ou indireta, neste último caso, sob regime de concessão ou de permissão.
Não só à prestação de serviços públicos, entretanto, diz respeito o estudo da descentralização e da desconcentração. Toda a atuação administrativa do Estado pode ser enquadrada como atuação centralizada ou descentralizada e concentrada ou desconcentrada, conforme a organização e as técnicas de repartição de atribuições adotada pelas diferentes Administrações.
O Estado realiza suas funções administrativas por meio de órgãos, agentes e pessoas jurídicas. Concernentemente ao aspecto organizacional, Estado adota duas formas básicas no desempenho de suas atribuições administrativas: centralização e descentralização.
Ocorre a chamada centralização administrativa quando o Estado executa suas tarefas por meio dos órgãos e agentes integrantes da Administração Direta. Nesse caso, os serviços são prestados pelos órgãos do Estado, despersonalizados, integrantes de uma mesma pessoa política (União, DF, estados ou municípios), sem outra pessoa jurídica interposta. Portanto, quando falamos que determinada função é exercida pela Administração Centralizada Federal, sabemos que é a pessoa jurídica União quem a exerce, por meio de seus órgãos; quando se diz que um serviço é prestado pela Administração Centralizada do Distrito Federal, significa que é a pessoa jurídica Distrito Federal quem presta o serviço, por meio de seus órgãos, e assim por diante.
Em resumo, a centralização administrativa, ou o desempenho centralizado de funções administrativas, consubstancia-se na execução de atribuições pela pessoa política que representa a Administração Pública competente - União, estado-membro, municípios ou DF – dita, por isso, Administração Centralizada. Não há participação de outras pessoas jurídicas na prestação do serviço centralizado.
Ocorre a chamada descentralização administrativa quando o Estado (União, DF, estados ou municípios) desempenha algumas de suas funções por meio de outras pessoas jurídicas. A descentralização pressupõe duas pessoas jurídicas distintas: o Estado e a entidade que executará o serviço, por ter recebido do Estado essa atribuição. A descentralização administrativa acarreta a especialização na prestação do serviço descentralizado, o que é desejável em termos de técnica administrativa. Por esse motivo, já em 1967, ao disciplinar a denominada “Reforma Administrativa Federal”, o Decreto-Lei nº 200, em seu art. 6º, inciso III, elegeu a “descentralização administrativa” como um dos princípios fundamentais da Administração Federal.
A doutrina aponta duas formas mediante as quais o Estado pode efetivar a chamada descentralização administrativa: outorga e delegação.
A descentralização será efetivada por meio de outorga quando o Estado cria uma entidade e a ela transfere, mediante previsão em lei, determinado serviço público. A outorga normalmente é conferida por prazo indeterminado. É o que ocorre relativamente às entidades da Administração Indireta prestadoras de serviços públicos: o Estado descentraliza a prestação dos serviços, outorgando-os a outras entidades (autarquias, empresas públicas, sociedades de economia mista e fundações públicas), que são criadas para o fim de prestá-los.
Vale lembrar que, nos termos do art. 37, XIX, da Constituição, com a redação dada pela EC nº 19/1998, somente as autarquias, hoje, são criadas diretamente por meio de lei específica. As outras entidades da Administração Indireta têm sua criação autorizada em lei específica, mas seu nascimento só se dá a partir de ato próprio do Poder Executivo e registro de seus estatutos no Registro Público competente (de qualquer forma, a lei específica autorizadora preverá que a entidade poderá ser criada para a realização de determinado serviço público, outorgando-o). Portanto, quando o serviço público está previsto no ato que origina a entidade da Administração Indireta como atribuição própria sua, diz-se que há outorga desse serviço à entidade.
A descentralização será efetivada por meio de delegação quando o Estado transfere, por contrato ou ato unilateral, unicamente a execução do serviço, para que o ente delegado o preste ao público em seu próprio nome e por sua conta e risco, sob fiscalização do Estado, contudo. A delegação é normalmente efetivada por prazo determinado. Há delegação, por exemplo, nos contratos de concessão ou nos atos de permissão, em que o Estado transfere aos concessionários e aos permissionários apenas a execução temporária de determinado serviço.
Em resumo, a descentralização administrativa pressupõe a existência de duas pessoas jurídicas: a titular originária da função e a pessoa jurídica que é incumbida de exercê-la. Se essa incumbência consubstanciar-se numa outorga, será criada por lei, ou em decorrência de autorização legal, uma pessoa jurídica que receberá a titularidade do serviço outorgado. É o que ocorre na criação de entidades (pessoas jurídicas) da Administração Indireta prestadoras de serviços públicos. Se a atribuição do serviço for feita mediante delegação, a pessoa jurídica delegada receberá, por contrato ou ato unilateral, a incumbência de prestar o serviço em seu próprio nome, por prazo determinado, sob fiscalização do Estado. A delegação não implica a transferência da titularidade do serviço à pessoa delegada, mas apenas a concessão, a permissão ou a autorização temporária para a execução do serviço.
Cabe aqui uma observação: um serviço público pode ser prestado de forma direta ou indireta.
A prestação de serviços públicos mediante concessão, permissão ou autorização é considerada forma de prestação indireta. Dão prova disso os arts. 175, caput, 21, XI e XII, 25, § 2º, e 30, V, da Constituição. Diversamente, a prestação de serviços públicos realizada pela Administração Centralizada (ou Administração Direta), por meio de seus órgãos, sem a contratação de terceiros, constitui modalidade de prestação direta.
A dificuldade pode surgir ao analisarmos a prestação de serviço por entidade da Administração Indireta. A prestação será direta quando a entidade recebeu outorga do serviço e o presta com seus próprios recursos, com o próprio aparelhamento da entidade, sem a contratação de terceiros.Teremos, nesse caso, serviço descentralizado de prestação direta. A prestação será indireta quando a entidade for contratada para realizar o serviço que não se encontra sob sua titularidade (a Administração Direta pode, por exemplo, contratar uma empresa pública para o fornecimento de merenda a uma escola pública) ou quando a entidade da Administração Indireta contratar terceiros, para a prestação de serviço de que seja titular.
O art. 6º, incisos VII e VIII da Lei nº 8.666/1993, nossa lei de normas gerais sobre licitações e contratos, define execução direta e execução indireta. Segundo tais dispositivos, tem-se execução direta toda vez que a atividade é realizada pelos órgãos e entidades da Administração, com seus próprios meios; caracteriza a execução indireta a realização da atividade por terceiros, contratados para tanto pelos órgãos ou entidades da Administração.
Em resumo, teremos execução ou prestação direta quando o titular do serviço público o presta com seus próprios meios e teremos prestação indireta toda vez que o serviço seja realizado por pessoa que não detenha sua titularidade, e que o execute em razão de contrato ou ato unilateral. Se a União, por exemplo, celebra contrato de concessão de um serviço com uma pessoa jurídica privada, diz-se que a União está prestando indiretamente esse serviço. Se O INSS, por exemplo, contratasse uma empresa privada para o recebimento e protocolização de requerimentos administrativos, o INSS estaria prestando indiretamente esse serviço; se o fizesse por meio de suas próprias unidades e servidores, o serviço estaria sendo prestado diretamente.
Vejamos, agora, a definição de desconcentração administrativa.
A desconcentração é simples técnica administrativa, e é utilizada, tanto na Administração Direta, quando na Indireta.
Ocorre a chamada desconcentração quando a entidade da Administração, encarregada de executar um ou mais serviços, distribui competências, no âmbito de sua própria estrutura, a fim de tornar mais ágil e eficiente a prestação dos serviços.
A desconcentração pressupõe, obrigatoriamente, a existência de uma só pessoa jurídica. Em outras palavras, a desconcentração sempre se opera no âmbito interno de uma mesma pessoa jurídica, constituindo uma simples distribuição interna de competências dessa pessoa.
Ocorre desconcentração, por exemplo, no âmbito da Administração Direta Federal, quando a União distribui as atribuições decorrentes de suas competências entre diversos órgãos de sua própria estrutura, como os ministérios (Ministério da Educação, Ministério dos Transportes etc.); ou quando uma autarquia, por exemplo, uma universidade pública, estabelece uma divisão interna de funções, criando, na sua própria estrutura, diversos departamentos (Departamento de Graduação, Departamento de Pós-Graduação, Departamento de Direito, Departamento de Filosofia, Departamento de Economia etc.).
Como se vê, a desconcentração, mera técnica administrativa de distribuição interna de funções, ocorre, tanto na prestação de serviços pela Administração Direta, quanto pela Indireta. É muito mais comum falar-se em desconcentração na Administração Direta pelo simples fato de as pessoas que constituem as Administrações Diretas (União, estados, Distrito Federal e municípios) possuírem um conjunto de competências mais amplo e uma estrutura sobremaneira mais complexa do que os de qualquer entidade das Administrações Indiretas. De qualquer forma, temos desconcentração tanto em um município que se divide internamente em órgãos, cada qual com atribuições definidas, como em uma sociedade de economia mista de um estado, um banco estadual, por exemplo, que organiza sua estrutura interna em superintendências, departamentos ou seções, com atribuições próprias e distintas, a fim de melhor desempenhar suas funções institucionais.
A prestação concentrada de um serviço ocorreria em uma pessoa jurídica que não apresentasse divisões em sua estrutura interna. É conceito praticamente teórico.
Qualquer pessoa jurídica minimamente organizada divide-se em departamentos, seções etc., cada qual com atribuições determinadas. Na Administração Pública é provável que não exista nenhuma pessoa jurídica que não apresente qualquer divisão interna. Talvez algum município muito pequeno possa prestar todos os serviços sob sua competência sem estar dividido em órgãos, concentrando todas as suas atribuições na mesma unidade administrativa, que se confundiria com a totalidade da pessoa jurídica não subdividida em sua estrutura interna...
A par da pouco provável hipótese acima, podemos falar em concentração quando determinada pessoa jurídica extingue órgãos ou unidades integrantes de sua estrutura, absorvendo nos órgãos ou unidades restantes, os serviços que eram de competência dos que foram extintos. Nesse caso, terá ocorrido concentração administrativa em relação à situação anteriormente existente. É, por isso, uma concentração relativa: a pessoa jurídica concentrou em um menor número de órgãos ou unidades o desempenho de suas atribuições. Entretanto, enquanto existirem pelo menos dois órgãos ou unidades distintas, com atribuições específicas, no âmbito da mesma pessoa jurídica, diremos que ela presta seus serviços desconcentradamente.
Por último, cabe registrar que Hely Lopes Meirelles entende que um órgão não subdividido em sua estrutura, portanto um órgão simples (em oposição a órgão composto), exerce suas atribuições concentradamente. Deve-se tomar cuidado aqui, pois a existência de órgãos significa que a pessoa jurídica a que eles pertencem exerce suas atribuições desconcentradamente. Cada órgão composto dessa pessoa jurídica também exerce desconcentradamente suas atribuições, por meio dos órgãos que o compõem. Quando chegamos, mediante essas subdivisões sucessivas, a um órgão que não mais se subdivide, teremos, então, um órgão simples. Esse órgão, segundo o autor, exerce suas atribuições de forma concentrada (mas, repita-se, a pessoa jurídica que ele integra pratica a desconcentração administrativa, presta seus serviços desconcentradamente).
Como vimos, os conceitos de centralização/descentralização e de concentração/desconcentração não são mutuamente excludentes. Com efeito, um serviço pode, por exemplo, ser prestado centralizadamente mediante desconcentração, se o for por um órgão da Administração Direta, ou pode ser prestado descentralizadamente mediante desconcentração, se o for por uma superintendência, divisão, departamento, seção etc. integrante da estrutura de uma mesma pessoa jurídica da Administração Indireta (autarquia, fundação pública, empresa pública ou sociedade de economia mista). É possível ainda, ao menos teoricamente, termos um serviço centralizado e concentrado (conforme o improvável exemplo do pequeno município acima apresentado) e um serviço descentralizado e concentrado (seria o caso, igualmente pouco provável, de uma entidade da Administração Indireta, como uma autarquia municipal, sem qualquer subdivisão interna).