sábado, 5 de novembro de 2011

*Deixem a Justiça evoluir *

*Deixem a Justiça evoluir *

*Data: 04.11.11*

Por José Renato Nalini,
desembargador do TJ-SP.

Só pode ser contra a resolução do Tribunal de Justiça de São Paulo que
autoriza o julgamento virtual de recursos repetitivos quem não conhece – ou
não interessa conhecer – como são decididas essas causas.

O demandismo desenfreado é um fenômeno que para alguns significa índice
democrático: afinal, todos litigam e a Constituição Federal promete que
haverá um juiz em cada esquina, pronto a decidir todo e qualquer tipo de
conflito.

Até questiúnculas que poderiam ser resolvidas após conversa franca e
paciência dos contendores para ouvir a parte contrária.

O excesso de ações judiciais é prejudicial para todos.

Converte o Judiciário numa função ineficiente, ineficaz e inefetiva.
Desilude o sequioso de justiça e aumenta a sensação de que nada de sério
funciona no Brasil.

Os julgadores mais sensíveis com a situação desconfortável tiveram de
adotar técnicas de aceleração do julgamento, até mesmo porque -servos do
pacto federativo- querem assegurar às partes a duração razoável do
processo, que é um direito fundamental.

Diante de temas reiteradamente levados à sua apreciação, elaboram o seu
voto, mantendo a orientação predominante na turma julgadora e o remetem –
por via eletrônica – ao revisor ou segundo juiz.

Este, acordando com o primeiro, o encaminha também por intranet ao
terceiro. Isso se faz nos gabinetes, após detido exame dos autos.
Completa-se o julgamento sem a necessidade do ritual que apenas ratifica o
anteriormente decidido.

Não se pense inexistir divergência. Mas esta, em Câmaras julgadoras
formadas por julgadores experientes, é resolvida antes da sessão.
Raríssimas as vezes em que a sustentação oral – feita após o relatório lido
aos presentes em sessão pública – vai alterar o entendimento dos
desembargadores.

Quem quer alterar a jurisprudência cuidará de elaborar boas razões e de
oferecer memoriais objetivos, concisos, focados nos pontos controvertidos.
Ninguém será insensível a uma abordagem nova, desde que argumentos
ponderáveis venham a ser oferecidos.

O Tribunal de Justiça de São Paulo é - com certeza - a maior corte
judiciária do mundo. Precisa adotar estratégias de fazer frente ao
exagerado acúmulo de processos. Valer-se de tecnologia que é utilizada sem
resistência pelo sistema financeiro, pelo comércio, pela interação que é
hoje arma obrigatória de participação da cidadania em todos os temas de
interesse coletivo.

O objetivo do Tribunal de Justiça não é apenas assumir o princípio
republicano da eficiência, obrigatório a toda prestação estatal. É
contribuir para mostrar à população que temas já pacificados não precisam
ser submetidos ao dispendioso, complexo e quantas vezes ininteligível
sistema judicial.

Talvez com isso os profissionais da área jurídica assumam o compromisso de
levar a sério as alternativas de resolução de conflito que possam vir a
reduzir a litigiosidade sem a intervenção heterônoma do Poder Judiciário.

É preciso conscientizar toda a comunidade do direito, a mais resistente a
aceitar as novas tecnologias, irreversíveis e que podem facilitar o
convívio entre as pessoas, a converter o Judiciário num serviço público
ágil e eficiente.

A própria Justiça mostrou-se durante muito tempo infensa às inovações.
Quando ela dá um passo, ainda tímido como o do Tribunal de Justiça de São
Paulo, é preciso confiar que foi resultado de estudos e de meditação.
Confiram a ela um voto de confiança. Não somem com os seus detratores e com
aqueles que parecem tirar proveito da disfunção da Justiça, até torná-la
inócua e descartável.

*O problema é estrutural, não virtual *

*Data: 04.11.11*

Por Ophir Cavalcante,
presidente nacional da OAB

O inciso IX do Artigo 93 da Constituição Federal dispõe que "todos os
julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos", sendo
desnecessário transcrever neste espaço o teor completo de uma oração que
traz, na forma e no conteúdo, uma verdade universal: outorga-se à sociedade
o direito de acompanhar e conhecer os ritos da Justiça, a quem não se
admite, nem de longe, a ideia de subterfúgios.

Por mais coroada de justificativas que esteja a resolução do Tribunal de
Justiça de São Paulo de tomar decisões a partir de um plenário virtual, ela
escamoteia as deficiências estruturais crônicas que, se por um lado
transformaram o Poder Judiciário num mastodonte paquidérmico, pesado e
lento, por outro atormentam a vida dos pobres mortais jurisdicionados.

Ajuizar uma ação judicial nos tribunais é uma prova de paciência, e
confirma que o simples acesso à Justiça, garantia do regime democrático,
ainda é um sonho.

Estamos falando daqueles que, bem ou mal, ainda procuram a Justiça, pois
uma ampla maioria desiste no meio do caminho. Para promovermos o efetivo
acesso dos cidadãos, ainda precisamos de uma revolução - sem armas, é
verdade - mas uma revolução de vontade, acima de tudo de vontade política.

Contudo, típico de quem não consegue se livrar do problema no qual se
enredou é buscar a saída rápida, que nem sempre se revela a melhor. Não é
de hoje que setores do Judiciário buscam bodes expiatórios para o problema
da morosidade.

A culpa está nos advogados, dizem uns, que inventaram essa história de
defesa; ou no cidadão, afirmam outros, que descobriram seus direitos e
resolveu reclamá-los.

Desde que é possível um advogado peticionar pela Internet de qualquer lugar
do país, por que não usar dessa tecnologia para pular etapas e dar um
jeitinho nos processos encalhados?.
..

Não é tão simples assim.

A tecnologia transformou nossos hábitos e nosso modo de tratar o mundo, mas
não é panaceia para tudo. Até porque se há um benefício nesses avanços, é
justamente o acesso à informação, elevada a bem imanente do sistema
democrático, e não o contrário.

Nesse sentido, a OAB tem contribuído com os tribunais, emitindo milhares de
certificados digitais e estimulando a realização de cursos de capacitação
para que todos tenham acesso aos processos eletrônicos.

Isso é uma coisa; outra, bem diferente, é deixar-se levar por caminhos
desconhecidos que essa mesma tecnologia possa oferecer.

Nossa Constituição, de 1988, foi escrita sob o preceito de que não teremos
mais tribunais julgando sigilosamente o destino de pessoas, salvo naqueles
excepcionalíssimos casos previstos na legislação.

Trata-se, pois, de uma iniciativa que benefício nenhum agrega, nem ao
tribunal e muito menos a quem esteja sendo julgado, servindo apenas para
lançar mais sombras de dúvidas e insegurança sobre quem devia se esforçar
para manter seus ambientes iluminados.

Dúvida porque embora se busque usar as ferramentas tecnológicas para
apressar os passos, sabe-se que por trás delas estão homens com toda a sua
falibilidade e sagacidade, sobre as quais temos razões de sobra para
desconfiar.

Insegurança porque fere a norma constitucional, não permitindo a plena
defesa de quem esteja sendo acusado e impedindo que a sociedade exerça,
ainda que de uma forma indireta, certo controle sobre o Judiciário, o menos
transparente dos Poderes.

O problema da Justiça não está nos recursos, mas nos hábitos e na
estrutura, esses, sim, a merecer uma reconstrução para justificar o custo
do Poder Judiciário.

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