segunda-feira, 9 de maio de 2011

tortura e prescrição

Agradecimentos ao grupo do professor Joao Tomas Luchsinger - UFAM

*Algemas nos braços, choques elétricos e golpes nas costas com o
"papalégua"

*Data: 02.05.11*

O TJRS disponibilizou, na sexta-feira (29) a íntegra do acórdão da 5ª Câmara
Cível que condenou o Estado do RS por crime de tortura ocorrido em 1970
contra o então jovem (16 de idade) Airton José Frigeri, hoje exercendo a
profissão de contador em Caxias do Sul.

O julgado reformou sentença proferida pela Maria Aline Fonseca Bruttomesso
que aplicou a prescrição.

No acórdão, o desembargador Jorge Luiz Lopes do Canto (foto) sustentou que
crime de tortura não pode prescrever, isto é, pode haver punição a qualquer
momento, independente de quando tenha sido praticado. Na mesma linha votaram
os desembargadores Romeu Marques Ribeiro Filho e Isabel Dias de Almeida.

A chamada "Lei da Tortura", de 1997, não estabelece se há prescrição ou não.
O Brasil é signatário de tratados internacionais que definem tortura como
crime contra a humanidade – portanto, imprescritíveis.
Em abril do ano passado, porém, o STF validou a Lei da Anistia para casos de
tortura durante o regime militar. Em dezembro, a Corte Interamericana de
Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos condenou o Brasil
pelo desaparecimento de militantes na Guerrilha do Araguaia, reconhecendo os
fatos como crimes contra a humanidade.

Para o desembargador, é esta a interpretação que deve prevalecer. "A
Constituição e o fato de o Brasil ter aderido a uma resolução das Nações
Unidas com relação à não prática da tortura fazem concluir que este fato em
si é imprescritível. Não é um tipo de ilícito que se possa acabar. É algo
que permanece e a todo tempo pode ser apurado", afirma Jorge do Canto.

A decisão do TJRS se deu na esfera cível, mas os militantes de direitos
humanos vêem a chance de o debate ser levado para a esfera criminal –
abrindo caminho para a punição de torturadores.

Numa entrevista ao saite IG, o magistrado gaúcho Jorge do Canto evita
comentar os eventuais desdobramentos, mas reconhece que sua decisão pode
influenciar no debate. "Não desconheço isso. Inclusive já me perguntaram
como fica a Comissão da Verdade, se passa a ser um marco para isso. Não sou
eu o canal para isso. Mais que a questão da imprescritibilidade, o mais
importante é que foi reconhecido na decisão que nós seguimos os ordenamentos
internacionais. E a nossa Constituição garante ao cidadão que ele está
protegido da tortura, protegido de penas cruéis por parte do Estado. Esse é
o ponto mais relevante da decisão", reforça.

O desembargador também admite que outras pessoas poderão buscar indenização
por danos morais ou a revisão de valores já recebidos. "Se vão ser acolhidas
suas pretensões, vai depender dos fatos. Existem situações e situações. Que
pode abrir essa janela, pode", avalia. Jorge do Canto afirma ainda que a
decisão do TJ-RS pode abrir espaço para que vítimas de tortura por parte das
forças policiais, nos dias de hoje, também busquem reparação.

Leia a íntegra do acórdão

APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL.
TORTURA. REPRESSÃO POR PARTE DOS AGENTES DO ESTADO. MÉTODOS DESUMANOS DE
TRATAMENTO AO INDIVÍDUO DETIDO PELO APARATO ESTATAL QUE EXTRAPOLAM AS
FUNÇÕES DO PODER DE POLÍCIA. DANOS MORAIS CARACTERIZADOS. QUANTUM.
IMPRESCRITIBILIDADE RECONHECIDA. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA.

Da imprescritibilidade dos direitos e garantias fundamentais

1. Merece reparo a decisão singular que julgou extinto o feito em
razão do reconhecimento da prescrição do direito de ação, aplicando ao caso
dos autos o Decreto nº 20.910 de 1932, porquanto constatada a
imprescritibilidade da demanda que visa reparar danos morais decorrentes de
tortura praticada durante período de exceção do Estado, cujos agentes
públicos extrapolaram os poderes de polícia, utilizando métodos desumanos
para obter objetivos escusos.

2. Com efeito, adotar a prescrição qüinqüenal com base no Decreto nº
20.910 de 1932 é destituir a força normativa da Constituição, e reconhecer a
aplicabilidade de norma de conteúdo valorativo inferior em detrimento de
princípio de maior valor consagrado na Carta Magna.

3. A dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos da República
Federativa do Brasil, e a tortura o mais expressivo atentado a esse pilar da
República, de sorte que reconhecer a imprescritibilidade dessa lesão é uma
das formas de dar efetividade à missão de um Estado Democrático de Direito,
reparando odiosas desumanidades praticadas na época em que o país convivia
com um governo autoritário e a supressão de liberdades individuais
consagradas.

4. Constata-se a existência de um núcleo essencial de direitos
fundamentais que não permite ser atingido por qualquer tipo de
interpretação, e o princípio orientador desse núcleo será justamente o
princípio da dignidade da pessoa humana. Desta forma, somente será possível
limitar um direito fundamental até o ponto de o princípio da dignidade da
pessoa humana não for agredido, porquanto existem direitos fundamentais
considerados absolutos.

5. A vedação a tortura deve ser considerada um direito fundamental
absoluto, pois a mínima prática de sevicias já é capaz de atingir
frontalmente a dignidade da pessoa humana. Nesse sentido é o proclamado no
art. 2º da declaração sobre a proteção de todas as pessoas contra a tortura,
que dispõe que todo ato de tortura ou outro tratamento ou pena cruel,
desumano ou degradante constitui uma ofensa à dignidade humana e será
condenado como violação dos propósitos da Carta das Nações Unidas e dos
Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais Proclamados na Declaração
Universal de Direitos Humanos. Assim, rejeita-se a prefacial de prescrição,
pois este instituto é incompatível com o tema em discussão, na medida em que
versa sobre direito inalienável sem prazo para o exercício.

6. Possibilidade de reexame amplo da matéria neste grau de Jurisdição,
por se tratar de questões preponderantemente de direito e presentes os
requisitos necessários para o julgamento da lide, conforme alude os artigos
330, I, 515, §1º e 516, do CPC.
Mérito do recurso em exame

7. O Estado do Rio Grande do Sul tem responsabilidade de ordem
objetiva pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a
terceiros, no termos do § 6º do art. 37 da CF.

8. O Estado demandado apenas se desonera do dever de indenizar caso
comprove a ausência de nexo causal, ou seja, prove a culpa exclusiva da
vítima, fato exclusivo de terceiro, caso fortuito ou força maior.

9. Presente nos autos a conduta ilícita dos agentes responsáveis pela
investigação, porquanto agiram com flagrante excesso ao poder de polícia,
salvaguardados pelo regime ditatorial vigorante à época.

10. Com relação ao direito à indenização, esta matéria é ponto
incontroverso da lide, a teor do que estabelece o art. 334, II, do CPC,
tendo em vista que houve o reconhecimento administrativo por parte do Estado
da existência de conduta ilícita por parte de seus agentes públicos,
consubstanciado na prática de tortura, física e psíquica, cujo nexo causal
também restou inconteste quanto a ter ocasionado os danos de ordem
psicológica e atinente a saúde física da parte autora.

11. Portanto, no caso dos autos configurada a prática do delito hediondo
de tortura por parte dos agentes públicos, os quais teriam a
responsabilidade de garantir a incolumidade física e mental do cidadão
mediante o poder de polícia, e não ao contrário, ocasionar a mais vil das
lesões ao espírito humano, ou seja, submeter determinada pessoa, impotente e
desprotegida, as sevicias de um estado totalitário e sem respeito às
garantias mínimas que asseguram o direito à vida e à dignidade humana,
princípios estes subjugados por uma violência irracional e desproporcional.

12. A matéria controvertida diz respeito há apenas dois pontos: o
primeiro deles é quanto à abrangência dos danos reconhecidos mediante a Lei
Estadual nº 11.042/1997, ou seja, o que foi objeto de indenização e se nesta
estaria subsumida a indenização por dano imaterial pleiteada na presente
ação. O outro vértice a ser analisado no presente feito é o que diz respeito
à extensão dos prejuízos causados, isto é, se o valor pago à parte autora a
título de indenização pelos fatos ocorridos nos calabouços da ditadura foi
suficiente e proporcional ao dano em questão, bem como se serviram para
reparar os prejuízos imanentes ao trauma vivenciado pela parte autora.

13. Tendo o autor formulado pedido administrativo para receber
indenização por base na Lei 11.042 de 1997, e estabelecido que esta se
limita a indenizar os danos físicos e psicológicos, não há qualquer óbice a
reparação dos danos morais experimentados, pois estes podem ser aquinhoados
em razão de vértices distintos.

14. Há que se reconhecer, igualmente, que os prejuízos causados excedem
em muito o valor pago à parte autora a título de indenização pelos fatos
ocorridos, bem como não se prestaram a reparar os danos imanentes, que só se
evidenciaram em lapso temporal posterior ao pagamento da reparação.

15. Ademais, há que se ressaltar que na ocasião o autor foi contemplado
com o limite máximo tarifariamente estabelecido em função dos horrores a que
foi submetido na adolescência, pois contava como apenas 16 anos na ocasião,
e teve esmagados naquela ocasião os seus ideais pela violência
desproporcional e abusiva, própria daqueles que se escondem atrás dos
títulos inerentes aos cargos públicos que ocupam para praticar o mal,
valendo-se da máquina estatal e de vítimas indefesas para tanto.

16. No que tange à prova do dano moral por se tratar de lesão imaterial,
desnecessária a demonstração do prejuízo, na medida em que possui natureza
compensatória, minimizando de forma indireta as conseqüências da conduta do
demandado, decorrendo aquele do próprio fato. Conduta ilícita do demandado
que faz presumir os prejuízos alegados pela parte autora, é o denominado
dano moral puro.

17. O valor da indenização a título de dano moral deve levar em conta
questões fáticas, como as condições econômicas do ofendido e do ofensor, a
extensão do prejuízo, além quantificação da culpa daquele, a fim de que não
importe em ganho desmesurado.
Afastada a prescrição. Dado provimento ao apelo.

APELAÇÃO CÍVEL - QUINTA CÂMARA CÍVEL
Nº 70037772159 - COMARCA DE CAXIAS DO SUL
AIRTON JOEL FRIGERI - APELANTE
ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL - APELADO

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Desembargadores integrantes da Quinta Câmara Cível do Tribunal de
Justiça do Estado, à unanimidade, e afastar a prescrição e dar provimento ao
recurso.

Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além do signatário (Presidente), os eminentes
Senhores DES. ROMEU MARQUES RIBEIRO FILHO E DES.ª ISABEL DIAS ALMEIDA.

Porto Alegre, 20 de abril de 2011.

DES. JORGE LUIZ LOPES DO CANTO,
Relator.

I-RELATÓRIO

DES. JORGE LUIZ LOPES DO CANTO (RELATOR)

Trata-se de apelação interposta por AIRTON JOEL FRIGERI nos autos da ação de
indenização por danos morais e materiais proposta em face do ESTADO DO RIO
GRANDE DO SUL.

Na decisão atacada (fls. 131-134) foi julgado extinto o feito, em razão da
prescrição do direito de ação, forte no art. 20, §4º, do CPC.

Em suas razões recursais (fls. 149-157) assegurou a parte autora que o
direito à indenização por danos morais advindos de prisão indevida e tortura
na época da ditadura militar é imprescritível.

Defendeu que inexiste qualquer limite à interposição de ação judicial em
defesa da garantia constitucional da dignidade da pessoa humana.

Aduziu que o recebimento de valores na via administrativa não impede a busca
de indenização através do judiciário, bem como que os valores decorrentes de
decisões administrativas referem-se unicamente aos danos materiais
experimentados pelas vítimas do regime militar, diante da impossibilidade de
estudo e de trabalho.

Alegou que eventual proibição de acumulação de benefícios restringe-se
àqueles com o mesmo fundamento, o que não é o caso em tela, haja vista que a
indenização prevista na Lei Estadual refere-se à reparação econômica, e a
presente demanda versa sobre reparação por danos morais.

Pleiteou a reforma da decisão singular.

Contra-razões às fls. 159-161, os autos foram remetidos a esta Corte.

O Ministério Público, em seu parecer (fls. 167-171) opinou pelo conhecimento
e improvimento do recurso
de apelação.

Registro que foi observado o disposto nos arts. 549, 551 e 552 do CPC,
tendo em vista a adoção do sistema informatizado.

É o relatório.

II-VOTOS

DES. JORGE LUIZ LOPES DO CANTO (RELATOR)

Admissibilidade e objeto do recurso

Eminentes colegas, o recurso intentado objetiva a reforma da sentença de
primeiro grau, versando a causa sobre indenização por danos morais em razão
de tortura experimentada durante o regime autoritário instituído no país na
ocasião dos fatos narrados na exordial.

Os pressupostos processuais foram atendidos, utilizado o recurso cabível, há
interesse e legitimidade para recorrer, este é tempestivo, não sendo
efetivado o preparo por ser o postulante beneficiário da gratuidade da
justiça (fl. 63), inexistindo fato impeditivo do direito recursal, noticiado
nos autos.

Assim, verificados os pressupostos legais, conheço do recurso intentado para
o exame das questões suscitadas.

Da imprescritibilidade dos direitos e garantias fundamentais

Merece reparo a decisão singular que julgou extinto o feito em razão do
reconhecimento da prescrição do direito de ação, aplicando ao caso dos autos
o Decreto nº 20.910 de 1932, porquanto constatada a imprescritibilidade da
demanda que visa reparar danos morais decorrentes de tortura praticada
durante período de exceção do Estado, cujos agentes públicos extrapolaram os
poderes de polícia, utilizando métodos desumanos para obter objetivos
escusos, consoante razões a seguir alinhadas.

Inicialmente, cumpre salientar que a Declaração Universal dos Direitos
Humanos adotada e proclamada pela resolução 217 A (III)

da Assembléia Geral das Nações Unidas, em 10 de dezembro de 1948, anterior
aos danos experimentados pelo autor, estabelece que toda pessoa tem direito
à vida, à liberdade e à segurança pessoal, bem como que ninguém será
submetido à tortura, nem a tratamento ou castigo cruel,
desumano ou degradante, consoante arts. III e V da declaração.

Por seu turno, a dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos da
República Federativa do Brasil, consagrado no art. 1º, inciso III, da Carta
Maior. Ainda, nossa Lei Fundamental consagra a inviolabilidade do direito à
vida, à liberdade, à segurança e à propriedade, bem como baliza que ninguém
será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante (art. 5º,
inciso III).

Portanto, sendo um dos pilares da República, a proteção à dignidade da
pessoa humana perdura enquanto existente essa forma de governo, visto que se
constitui em seu fundamento basilar.

Destarte, a Constituição Federal é norma de hierarquia superior, fonte de
validade de todo o ordenamento jurídico, devendo se conferir a máxima
eficácia as normas ali previstas, em especial os direitos e garantias
fundamentais consagrados naquela Carta.

Sobre o princípio da máxima efetividade são os ensinamentos de Inocêncio
Mártires Coelho[1]:
Estreitamente vinculado ao princípio da força normativa da Constituição, em
relação ao qual configura um subprincípio, o cânone
hermenêutico-constitucional máxima efetividade orienta os aplicadores da Lei
Maior para que interpretem as suas normas em ordem a otimizar-lhes a
eficácia, sem alterar o seu conteúdo.

De igual modo, veicula um apelo aos realizadores da Constituição para que em
toda situação hermenêutica, sobretudo em sede de direitos fundamentais,
procurem densificar os seus preceitos, sabidamente abertos e predispostos a
interpretação expansivas.

Tendo em vista, por outro lado, que, nos casos concretos, a otimização de
qualquer dos direitos fundamentais, em favor de determinado titular, poderá
implicar a simultânea compressão, ou mesmo o sacrifício, de iguais direitos
de outrem, direitos que constitucionalmente também exigem otimização – o
que, tudo somado, contraria a um só tempo tanto o princípio da unidade da
Constituição quanto o da harmonização –, em face disso, impõe-se harmonizar
a máxima efetividade com essas e outras regras de interpretação, assim como
impõe-se conciliar, quando em estado de conflito, quaisquer bens ou valores
protegidos pela Constituição.

Luís Roberto Barroso[2] também fornece relevante conceito sobre o princípio
interpretativo em tela:

(…) A efetividade significa, portanto, a realização do Direito, o desempenho
concreto de sua função social. Ela representa a materialização, no mundo dos
fatos, dos preceitos legais e simboliza a aproximação, tão íntima quanto
possível, entre o dever-ser normativo e o ser da realidade social.

Nessa seara, cumpre salientar que o Superior Tribunal de Justiça há muito
vem reconhecendo a imprescritibilidade do dano experimentado em razão de
tortura durante o regime militar, consoante arestos a seguir transcritos:

PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. INDENIZAÇÃO. REPARAÇÃO DE DANOS MATERIAIS
E MORAIS. REGIME MILITAR. DISSIDENTE POLÍTICO PRESO NA ÉPOCA DO REGIME
MILITAR. TORTURA. DANO MORAL. FATO NOTÓRIO. NEXO CAUSAL. NÃO INCIDÊNCIA DA
PRESCRIÇÃO QUINQUENAL - ART. 1º DECRETO 20.910/1932. IMPRESCRITIBILIDADE.
1. Ação ordinária proposta com objetivo de reconhecimento dos efeitos
previdenciários e trabalhistas, acrescidos de danos materiais e morais, em
face do Estado, pela prática de atos ilegítimos decorrentes de perseguições
políticas perpetradas por ocasião do golpe militar de 1964, que culminaram
na prisão do autor, bem como na sua tortura, cujas conseqüências alega
irreparáveis.
2. Prova inequívoca da perseguição política à vítima e de imposição, por via
oblíqua, de sobrevivência clandestina, atentando contra a dignidade da
pessoa humana, acrescido do fato de ter sido atingida a sua capacidade
laboral quando na prisão fora torturado, impedindo atualmente seu auto
sustento.
3. A indenização pretendida tem amparo constitucional no art. 8º, § 3º, do
Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Precedentes.
4. Deveras, a tortura e morte são os mais expressivos atentados à dignidade
da pessoa humana, valor erigido como um dos fundamentos da República
Federativa do Brasil.
5. Sob esse ângulo, dispõe a Constituição Federal: "Art. 1º. A República
Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e
Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de
Direito e tem como fundamentos: (...) III - a dignidade da pessoa humana;"
"Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no
País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à
segurança e à propriedade, nos termos seguintes;
(...) III - ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou
degradante;" 6. Destarte, o egrégio STF assentou que: "...o delito de
tortura - por comportar formas múltiplas de execução - caracteriza- se pela
inflição de tormentos e suplícios que exasperam, na dimensão física, moral
ou psíquica em que se projetam os seus efeitos, o sofrimento da vítima por
atos de desnecessária, abusiva e inaceitável crueldade. - A norma inscrita
no art. 233 da Lei nº 8.069/90, ao definir o crime de tortura contra a
criança e o adolescente, ajusta-se, com extrema fidelidade, ao princípio
constitucional da tipicidade dos delitos (CF, art. 5º, XXXIX). A TORTURA
COMO PRÁTICA INACEITÁVEL DE OFENSA À DIGNIDADE DA PESSOA. A simples
referência normativa à tortura, constante da descrição típica
consubstanciada no art. 233 do Estatuto da Criança e do Adolescente,
exterioriza um universo conceitual impregnado de noções com que o senso
comum e o sentimento de decência das pessoas identificam as condutas
aviltantes que traduzem, na concreção de sua prática, o gesto ominoso de
ofensa à dignidade da pessoa humana. A tortura constitui a negação
arbitrária dos direitos humanos, pois reflete - enquanto prática ilegítima,
imoral e abusiva - um inaceitável ensaio de atuação estatal tendente a
asfixiar e, até mesmo, a suprimir a dignidade, a autonomia e a liberdade com
que o indivíduo foi dotado, de maneira indisponível, pelo ordenamento
positivo." (HC 70.389/SP, Rel. p. Acórdão Min. Celso de Mello, DJ
10/08/2001) 7. À luz das cláusulas pétreas constitucionais, é juridicamente
sustentável assentar que a proteção da dignidade da pessoa humana perdura
enquanto subsiste a República Federativa, posto seu fundamento.
8. Consectariamente, não há falar em prescrição da ação que visa implementar
um dos pilares da República, máxime porque a Constituição não estipulou
lapso prescricional ao direito de agir, correspondente ao direito
inalienável à dignidade.
9. Outrossim, a Lei 9.140/95, que criou as ações correspondentes às
violações à dignidade humana, perpetradas em período de supressão das
liberdades públicas, previu a ação condenatória no art. 14, sem
estipular-lhe prazo prescricional, por isso que a lex specialis convive com
a lex generalis, sendo incabível qualquer aplicação analógica do Código
Civil no afã de superar a reparação de atentados aos direitos fundamentais
da pessoa humana, como sói ser a dignidade retratada no respeito à
integridade física do ser humano.
10. Adjuntem-se à lei interna, as inúmeras convenções internacionais
firmadas pelo Brasil, a começar pela Declaração Universal da ONU, e demais
convenções específicas sobre a tortura, tais como a Convenção contra a
Tortura adotada pela Assembléia Geral da ONU, a Conveção Interamericana
contra a Tortura, concluída em Cartagena, e a Convenção Americana sobre
Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica).
11. A dignidade humana violentada, in casu, decorreu do fato de ter sido o
autor torturado- revelando flagrante atentado ao mais elementar dos direitos
humanos, os quais, segundo os tratadistas, são inatos, universais,
absolutos, inalienáveis e imprescritíveis.
12. Inequívoco que foi produzida importante prova indiciária representada
pelos comprovantes de tratamento e pelas declarações médicas que instruem os
autos, consoante se extrai da sentença de fls. 72/79.
13. A exigibillidade a qualquer tempo dos consectários às violações dos
direitos humanos decorre do princípio de que o reconhecimento da dignidade
humana é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz, razão por que a
Declaração Universal inaugura seu regramento superior estabelecendo no art.
1º que "todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos".
14. Deflui da Constituição federal que a dignidade da pessoa humana é
premissa inarredável de qualquer sistema de direito que afirme a existência,
no seu corpo de normas, dos denominados direitos fundamentais e os efetive
em nome da promessa da inafastabilidade da jurisdição, marcando a relação
umbilical entre os direitos humanos e o direito processual.
15. O egrégio STJ, em oportunidades ímpares de criação jurisprudencial,
vaticinou: "RECURSO ESPECIAL. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS.
PRISÃO, TORTURA E MORTE DO PAI E MARIDO DAS RECORRIDAS. REGIME MILITAR.
ALEGADA PRESCRIÇÃO. INOCORRÊNCIA. LEI N. 9.140/95. RECONHECIMENTO OFICIAL DO
FALECIMENTO, PELA COMISSÃO ESPECIAL DE DESAPARECIDOS POLÍTICOS, EM 1996.
DIES A QUO PARA A CONTAGEM DO PRAZO PRESCRICIONAL.
A Lei n. 9.140, de 04.12.95, reabriu o prazo para investigação, e
conseqüente reconhecimento de mortes decorrentes de perseguição política no
período de 02 de setembro de 1961 a 05 de outubro de 1998, para possibilitar
tanto os registros de óbito dessas pessoas como as indenizações para reparar
os danos causados pelo Estado às pessoas perseguidas, ou ao seu cônjuge,
companheiro ou companheira, descendentes, ascendentes ou colaterais até o
quarto grau. Omissis (REsp 845.228/RJ, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA
TURMA, julgado em 23/10/2007, DJ 18/02/2008, p. 25)

ADMINISTRATIVO. ATIVIDADE POLÍTICA. PRISÃO E TORTURA. INDENIZAÇÃO. LEI Nº
9.140/1995. INOCORRÊNCIA DE PRESCRIÇÃO. REABERTURA DE PRAZO.
1. Ação de danos morais em virtude de prisão e tortura por motivos
políticos, tendo a r. sentença extinguido o processo, sem julgamento do
mérito, pela ocorrência da prescrição, nos termos do art. 1º, do Decreto nº
20.910/1932. O decisório recorrido entendeu não caracterizada a prescrição.
2. Em casos em que se postula a defesa de direitos fundamentais, indenização
por danos morais decorrentes de atos de tortura por motivo político ou de
qualquer outra espécie, não há que prevalecer a imposição qüinqüenal
prescritiva.
3. O dano noticiado, caso seja provado, atinge o mais consagrado direito da
cidadania: o de respeito pelo Estado à vida e de respeito à dignidade
humana. O delito de tortura é hediondo. A imprescritibilidade deve ser a
regra quando se busca indenização por danos morais conseqüentes da sua
prática.
4. A imposição do Decreto nº 20.910/1932 é para situações de normalidade e
quando não há violação a direitos fundamentais protegidos pela Declaração
Universal dos Direitos do Homem e pela Constituição Federal.
5. O art. 14, da Lei nº 9.140/1995, reabriu os prazos prescricionais no que
tange às indenizações postuladas por pessoas que, embora não desaparecidas,
sustentem ter participado ou ter sido acusadas de participação em atividades
políticas no período de 02 de setembro de 1961 a 15 de agosto de 1979 e, em
conseqüência, tenham sido detidas por agentes políticos.
6. Inocorrência da consumação da prescrição, em face dos ditames da Lei nº
9.140/1995. Este dispositivo legal visa a reparar danos causados pelo Estado
a pessoas em época de exceção democrática. Há de se consagrar, portanto, a
compreensão de que o direito tem no homem a sua preocupação maior, pelo que
não permite interpretação restritiva em situação de atos de tortura que
atingem diretamente a integridade moral, física e dignidade do ser humano.
7. Recurso não provido. Baixa dos autos ao Juízo de Primeiro Grau.
(REsp 379.414/PR, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, PRIMEIRA TURMA, julgado em
26/11/2002, DJ 17/02/2003, p. 225)

ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. INDENIZAÇÃO POR DANOS
MORAIS. REGIME MILITAR. TORTURA. IMPRESCRITIBILIDADE. INAPLICABILIDADE DO
ART. 1º DO DECRETO 20.910/1932. QUANTUM INDENIZATÓRIO. REVISÃO.
IMPOSSIBILIDADADE.
1. As ações indenizatórias por danos morais decorrentes de atos de tortura
ocorridos durante o Regime Militar de exceção são imprescritíveis.
Inaplicabilidade do prazo prescricional do art. 1º do Decreto 20.910/1932.
Precedentes do STJ.
2. O Brasil é signatário do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e
Políticos das Nações Unidas – incorporado ao ordenamento jurídico pelo
Decreto-Legislativo 226/1991, promulgado pelo Decreto 592/1992 –, que traz
a garantia de que ninguém será submetido a tortura, nem a pena ou a
tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes, bem como prevê a proteção
judicial para os casos de violação de direitos humanos.
3. A Constituição da República não estipulou lapso prescricional à faculdade
de agir, correspondente ao direito inalienável à dignidade.
4. Hipótese em que o Tribunal de origem, ao concluir, diante da documentação
colacionada aos autos, que o autor foi realmente preso e torturado, tendo
sofrido danos psicológicos permanentes, fixou indenização por danos morais
em R$ 300.000,00 (trezentos mil reais).
5. A jurisprudência do STJ é pacífica no sentido de que somente em casos
excepcionais é possível rever o valor da indenização, quando exorbitante ou
insignificante a importância arbitrada, em flagrante violação dos Princípios
da Razoabilidade e da Proporcionalidade, o que, in casu, não se configura.
6. Recurso Especial não provido. (REsp 1104731/RS, Rel. Ministro HERMAN
BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 05/03/2009, DJe 05/11/2009)

ADMINISTRATIVO, CIVIL E PROCESSO CIVIL – RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO –
ALEGADA VIOLAÇÃO DOS ARTS. 535, II; 515, § 3º; 165, 333 E 458, II, TODOS DO
CPC, BEM COMO DOS ARTS. 93, IX, E 5º, LV, DA CF – "CAUSA MADURA" PARA O
JULGAMENTO DA APELAÇÃO – AUSÊNCIA DE SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA – ACÓRDÃO QUE
ENCAMPA, IPSIS LITERIS, O PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO – POSSIBILIDADE, NO
CASO – NULIDADE DO ACÓRDÃO POR FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO PARA A CONFIGURAÇÃO
DOS PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA UNIÃO E RESPONSABILIDADE
SOLIDÁRIA DO ESTADO DE SANTA CATARINA – PRESCRIÇÃO – DECRETO N. 20.910/32 –
DISCUSSÃO SOBRE PRESCRIÇÃO DE PRETENSÃO DE COMPENSAÇÃO POR VIOLAÇÃO DE
DIREITOS FUNDAMENTAIS – TORTURA DE CIDADÃO BRASILEIRO DE ASCENDÊNCIA ALEMÃ
POR "POLICIAIS DA FARDA AMARELA" DURANTE A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL, EM 1942 –
RESPONSABILIDADE DO ESTADO PELAS PERSEGUIÇÕES POLÍTICAS, PRISÕES, TORTURA,
LOUCURA E SUICÍDIO DO CIDADÃO, EM DECORRÊNCIA DE TAIS ATOS – RECURSO
ESPECIAL ADESIVO DOS PARTICULARES – PRETENSÃO DE VALORAÇÃO DO ARBITRAMENTO
DOS DANOS MORAIS ACIMA DO ARBITRADO NA SEGUNDA INSTÂNCIA (R$ 500.000,00).
1. Não-existência de violação do art. 535, II, do CPC. Apesar de o acórdão
embargado ter encampado o que registrou o parecer do Ministério Público
Federal, exarado na segunda instância, frisou que esta era, na
integralidade, a conclusão adotada.
2. Muito embora seja o parecer ministerial peça meramente informativa, pode
levar o julgador a adotá-la como parâmetro, desde que o faça motivadamente.
Na esteira de alguns precedentes do STJ, "não se constitui em nulidade o
Relator do acórdão adotar as razões de decidir do parecer ministerial que,
suficientemente motivado, analisa toda a tese defensiva." (HC 40.874/DF,
Relatora Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, julgado em 18.4.2006, DJ
15.5.2006 p. 244.)
3. Alegada violação do art. 515, § 3º, do CPC. O caso dos autos amolda-se ao
conceito de "causa madura" trazida pela doutrina e jurisprudência, uma vez
que o Tribunal a quo, ao estabelecer que não eram as rés partes ilegítimas,
adentrou desde logo no mérito da questão, pois toda a instrução probatória
já se fazia presente nos autos, bem como assim lhe permitia o art. 515, §
3º, do CPC.
4. O art. 515, § 3º, do CPC deve ser lido à luz do disposto no art. 330, I,
do mesmo diploma, que trata do julgamento imediato do mérito. Poderá o
Tribunal (assim como o juiz de primeiro grau poderia) pronunciar-se desde
logo sobre o mérito se as questões de mérito forem exclusivamente de direito
ou, sendo de fato e de direito, não houver necessidade de produção de novas
provas. Entendimento doutrinário e jurisprudencial.
5. Questão federal relativa à prescrição da pretensão para a compensação por
danos morais e materiais por violação de direitos da personalidade. Doutrina
e jurisprudência. Alegação da União de que deve ser aplicado o lustro
prescricional do art. 1º do Decreto n. 20.910/32, pois a Lei n. 9.140/95 só
se aplica aos fatos ocorridos entre 2.9.1961 a 5.10.1988, sendo que os fatos
retratados nos autos ocorreram entre 1940-1943.
6. Danos morais. Imprescritibilidade. Tortura, racismo e outros vilipêndios
à dignidade da pessoa humana. Possível, no caso, a aplicação da mais
conhecida norma sobre a proteção aos direitos da personalidade, qual seja, a
própria Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948, que também
possibilita sua aplicação a fatos pretéritos, escrita com os bradados dos
ideais democráticos e que nunca podem ser esquecidos.
7. Referida declaração é a referência brasileira mais próxima de condenação
à tortura. Mas não é só ela que deve ser lembrada. Além do Pacto
Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos das Nações Unidas, também
incorporado ao nosso ordenamento jurídico, é preciso ainda levar em conta
mais três importantíssimos documentos internacionais: (I) Declaração sobre a
Proteção de todas as pessoas contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas
Cruéis, Desumanas ou Degradantes, de 9.12.1975; (II) Convenção contra a
Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanas ou Degradantes, de
10.12.1984, da Organização das Nações Unidas, ratificada pelo Brasil com o
Decreto n. 40, de 15.2.1991; e (III) Convenção Interamericana para Prevenir
e Punir a Tortura, de 9.12.1985, da OEA, ratificada pelo Brasil com o
Decreto n. 98.386, de 9.11.1989.
8. Além da tortura, ocorreu racismo, crime que a própria Constituição
Federal de 1988, em seu art. 5º, XLII, considera imprescritível. A Lei n.
7.716/85, com a redação dada pela Lei n. 9.459/97 (art. 20), tipifica o
crime de racismo como "induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de
raça, etnia, religião ou procedência nacional".
9. Para reconhecer de vez a não-existência da prescrição da pretensão
indenizatória, basta verificar que a então autora desta demanda, mãe dos ora
recorrentes e esposa do Sr. Antônio Kliemann, viveu desde a época dos fatos
(1942-1944) até 1985 (fim da Ditadura e abertura política para a
democratização – Diretas Já!), período de completa supressão de direitos e
garantias constitucionais, tendo sido reconhecido no acórdão recorrido que
tinha receio naquela época de represálias do Governo Federal, bem como de
ser deportada, máxime quando passou a viger o Ato Institucional n. 05, que
possibilitava, inclusive, retirar do Poder Judiciário a apreciação de
qualquer alegação de violação de direitos.
10. Pretensão para a compensação por danos morais em razão de acontecimentos
que maculam tão vastamente os direitos da personalidade, como a tortura e a
morte, é imprescritível.
11. Danos materiais. "Saliente-se, no entanto, quanto aos danos
patrimoniais, que os efeitos meramente patrimoniais do direito devem sempre
observar o lustro prescricional do Decreto n. 20.910/32, pois não faz
sentido que o erário público fique sempre com a espada de Damocles sobre a
cabeça e sujeito a indenizações ou pagamentos de qualquer outra espécie por
prazo demasiadamente longo. Daí porque, quando se reconhece direito deste
jaez, ressalva-se que quaisquer parcelas condenatórias referentes aos danos
patrimoniais só deverão correr nos cinco anos anteriores ao ajuizamento da
ação" (REsp 475.625/PR, Rel. p/ Acórdão Ministro Franciulli Netto, DJ
20.3.2006). No mesmo sentido: REsp 1002009/PE, Rel. Ministro Humberto
Martins, DJ 21.2.2008.
12. Mesmo levando-se em conta o lustro anterior ao ajuizamento da ação, ou
seja, o período compreendido entre 9.1.1996 e 9.1.2001, prescritas estão as
pretensões dos efeitos patrimoniais da demanda, pois nada nesse período era
devido, tendo em vista que a autora já tinha conhecimento dos fatos já no
advento da Constituição Federal de 1988, como está assentado na instância
ordinária, soberana na análise das provas. Assim, mesmo tomando-se como
termo inicial a promulgação da Constituição Federal de 1988, prescrita já
está a pretensão de reparação de danos materiais.
13. Acolhimento da prescrição da pretensão de reparação por danos materiais.
14. Recurso especial adesivo. Conhecimento. Possibilidade de o STJ "analisar
o arbitramento da compensação por danos morais quando o valor fixado destoa
daqueles estipulados em outros julgados recentes deste Tribunal, observadas
as peculiaridades de cada litígio".
15. Acórdão recorrido que, diante de tão graves violações dos direitos da
personalidade do marido da autora e da própria autora e filhos, fixou os
danos morais em R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais).
16. Análise de mais de dez casos recentes da jurisprudência do STJ com
resultado morte, todos com valores inferiores a quinhentos mil reais, com
condenações entre trezentos e quinhentos salários mínimos.
17. Razoabilidade do valor arbitrado no caso dos autos, bem acima dos
precedentes do STJ, tendo em vista as gravíssimas e reiteradas violações dos
direitos da personalidade do Sr. Antônio Kliemann, esposa e filhos.
Recurso especial da União parcialmente provido, para reconhecer a prescrição
da parcela referente aos danos materiais.
Recurso especial adesivo dos particulares improvido. (REsp 797.989/SC, Rel.
Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 22/04/2008, DJe
15/05/2008)

Nesse mesmo rumo são os precedentes do TRF da 4ª Região:

ADMINISTRATIVO. INDENIZAÇÃO. ANISTIADO POLÍTICO. NÃO-INCIDÊNCIA DA
PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. IMPRESCRITIBILIDADE. LEI Nº 10.559/2002.
1. A prescrição não serve para fatos ocorridos durante o regime ditatorial
militar, excepcionais em sua gravidade, e em relação aos quais as vítimas,
por muito tempo, estiveram impossibilitadas de se insurgir.
2. A promulgação das Leis 9.140/95 e 10.536/02 importou em reconhecimento do
Estado quanto a sua responsabilidade pelos abusos cometidos por seus agentes
durante aquele período.
3. A autora se obrigou a se afastar de sua atividade profissional remunerada
para acompanhamento de seu esposo. Essa condição está disciplinada no inciso
IV, do art. 2º, da Lei 10.559/02, a qual regulamenta o art. 8º do ADCT.
Desta forma, evidente o direito da parte autora de ver declarada a sua
condição de anistiada política, com os consectários indenizatórios daí
decorrentes. (TRF4, AC 0004233-62.2008.404.7000, Quarta Turma, Relatora
Marga Inge Barth Tessler, D.E. 29/03/2010).

ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL. REPARAÇÃO DE DANOS MORAIS. TORTURA SOFRIDA
NO REGIME MILITAR. PRESCRIÇÃO - INOCORRÊNCIA.
1. A prescrição não corre enquanto ao titular do direito é obstado acesso
aos elementos comprobatórios necessários à dedução do seu pleito, máxime se
o empeço é ditado pelo indigitado devedor da obrigação.
2. Em se tratando de direito estabelecido pela Constituição, o dies a quo
para a contagem do lapso prescricional é diferido à data da edição da lei
regulamentadora do preceito constitucional correspondente.
3. O crime de tortura é hediondo, impondo-se, quanto à reparação de seus
efeitos deletérios, a regra da imprescritibilidade, haja vista a mácula aos
direitos fundamentais básicos assegurados ao indivíduo, insertos na
Constituição Federal. (TRF4, EIAC 1998.04.01.017395-2, Segunda Seção,
Relator Amaury Chaves de Athayde, DJ 26/02/2003).

Com efeito, a dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos da República
Federativa do Brasil, e a tortura o mais expressivo atentado a esse pilar da
República, de sorte que reconhecer a imprescritibilidade dessa lesão é uma
das formas de dar efetividade à missão de um Estado Democrático de Direito,
reparando odiosas desumanidades praticadas na época em que o país convivia
com um governo autoritário e a supressão de liberdades individuais
consagradas.

Registro que deixar de reparar significa anuir com essa prática odiosa
durante o regime autoritário e de exceção pelo qual passou há muito este
país, com a conivência de agentes públicos e membros da sociedade civil,
abdicando de se conceder a justa reparação para quem contribuiu, no mínimo
com seus ideais, para a formação de um Estado Democrático de Direito.

Assim, reconhecer a prescrição qüinqüenal com base no Decreto nº 20.910 de
1932 é destituir a força normativa da Constituição, e reconhecer a
aplicabilidade de norma de conteúdo valorativo inferior em detrimento da
norma de maior valor consagrada na Carta Magna.

Aplicar o prazo previsto no Decreto precitado, o qual coincidentemente foi
gestado também quando vigia no país também regime de exceção na chamada era
Vargas, em última análise, significa abdicar de uma ordem jurídica justa e
igualitária, negligenciando a adequada reparação de quem teve coragem de se
opor contra um sistema antidemocrático.

A aplicação de tal decreto também afronta o princípio da proibição do
retrocesso social, afrontando conquistas históricas de uma geração que
amargou a repressão na época ditatorial em questão, implicando em retrocesso
às garantias adquiridas ao longo das lutas sociais e à custa do sangue
daqueles que não se contentavam com o abuso de poder de poucos.

Portanto, a luta de toda uma geração é posta a prova quando, em prol de uma
aparente segurança jurídica, se deixa de atender o pleito de quem sofreu por
muitos anos em silêncio, diante da opressão de regime autoritário de
antanho, não podendo na ocasião buscar a justa reparação em função de
evidente
temor de sofrer represálias.

Nesse sentido leciona José Joaquim Gomes Canotilho[3] sobre o princípio da
proibição do retrocesso social, o que segue:

O princípio da democracia económica e social aponta para a proibição de
retrocesso social.

A ideia aqui expresas também tem sido designada como proibição de
contra-revolução social ou da evolução reaccionária. Com ito quer dizer-se
que os direitos sociais e económicos (ex.: direito dos trabalhadores,
direito à assistência, direito à educação), uma vez obtido um determinado
grau de realização, passa a constituir, simultaneamente, uma garantia
institucional e um direito subjetivo. A proibição de retrocesso social nada
pode fazer contra as recessões e crises económicos
(reversibilidade fáctica), mas o princípio em análise limita a
reversibilidade dos direitos adquiridos (ex.: segurança social, subsídio de
desemprego, prestações de saúde), em clara violação do princípio da
protecção da confiança e da segurança dos cidadãos no âmbito económico,
social e cultural, e do núcleo essencial da existência mínima inerente ao
respeito pela dignidade da pessoa humana. O reconhecimento desta protecção
de direitos prestacionais de propriedade, subjectivamente adquiridos,
constitui um limite jurídico do legislador e, ao mesmo tempo, uma obrigação
de prossecução de uma política congruente com os direitos concretos e as
expectativas subjectivamente alicerçadas. A violação do núcleo essecial
efectivado justificará a sanção de inconstitucionalidade relativamente a
normas manifestamente aniquiladoras da chamada justiça social. Assim, por
ex., será incontitucional uma lei que extinga o direito a subsídio de
desemprego ou pretenda alargar desproporcionalmente o tempo de serviço
necessário a aquisição de direito à reforma. (…) A liberdade de conformação
do legislador nas leis sociais nunca pode afirmar-se sem reservas, pois está
sempre sujeita ao princípio da igualdade, princípio da proibição de
discriminações sociais e de políticas antisociais. As eventuais modificações
destas leis devem observar os princípios do Estado de direito vinculativos
da actividade legislativa e o núcleo essecial dos direitos sociais. O
princípio da proibição do retrocesso social pode formular-se assim: o núcleo
essecial dos direitos sociais já eralizado e efectivado através de medidas
legislativas ("lei da segurança social", " lei do subsídio de desemprego",
"lei de serviço de saúde") deve considerar-se constitucionalmente garantido,
sendo inconstitucionais quaisquer medidas estaduais que, sem a criação de
outros esquemas alternativos ou compensatórios, se traduzam, na prática,
numa "anulação", "revogação" ou "aniquilação" pura a simples desse núcleo
essencial. Não se trata, pois, de proibir um retrocesso social captado em
termos ideológicos ou formulado em termos gerais ou de garantir um abstracto
um status quo social, mas de proteger direitos fundamentais sociais
sobretudo no seu núcleo essencial. A liberdade de conformação do legislado e
inerente auto-reversibilidade têm como limite o núcleo essencial já
realizado, sobretudo quando o núcleo essencial se reconduz à garantia do
mínimo de existência condigna inerente ao respeito pela dignidade da pessoa
humana.

Luís Roberto Barroso[4] assim assevera sobre o tema em comento:

A vedação do retrocesso, por fim, é uma derivação da eficácia negativa,
particularmente ligada aos princípios que envolvem os direitos fundamentais.
Ela pressupõe que esses princípios sejam concretizados através de normas
infraconstitucionais (isto é, freqüentemente, os efeitos que pretendem
produzir são especificados por meio da legislação ordinária) e que, com base
no direito constitucional em vigor, um dos efeitos gerais pretendido por
tais princípios é a progressiva ampliação dos direitos fundamentais.
Partindo desses pressupostos, o que a vedação do retrocesso propõe se possa
exigir do Judiciário é a invalidade da revogação de normas que,
regulamentando o princípio, concedam ou ampliem direitos fundamentais, sem
que a revogação em questão seja acompanhada de uma política substitutiva ou
equivalente. Isto é: a invalidade por inconstitucionalidade, ocorre quando
se revoga uma norma infraconstitucional concessiva de um direito, deixando
um vazio em seu lugar. Não se trata, é bom observar, da substituição de uma
forma de atingir o fim constitucional por outra, que se entenda mais
apropriada. A questão que se põe é a da revogação pura e simples da norma
infraconstitucional, pela qual o legislador esvazia o comando
constitucional, exatamente como se dispusesse contra ele diretamente.

Ademais, constata-se a existência de um núcleo essencial de direitos
fundamentais que não permite ser atingido por qualquer tipo de
interpretação, e o princípio orientador desse núcleo será justamente o
princípio da dignidade da pessoa humana. Desta forma, somente será possível
limitar um direito fundamental até o ponto de o princípio da dignidade da
pessoa humana não for agredido, porquanto existem direitos fundamentais
considerados absolutos.

Nessa seara, cumpre transcrever as lições de Ingo Wolfgang Sarlet[5] sobre o
princípio da dignidade da pessoa humana:

(…) temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva
reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e
consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido,
um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto
contra todo e qualquer ato de cunha degradante e desumano, como venham a lhe
garantir as condições existenciais mínimaspara uma vida saudável, além de
propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da
própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos,
mediante o devido respeito aos demais seres que integram a rede da vida.

(…)

O que se pretende demonstrar, neste contexto, é que o princípio da dignidade
da pessoa humana assume posição de destaque, servindo como diretriz material
para a identificação de direitos implícitos (tanto de cunho defensivo como
prestacional) e, de modo especial, sediados em outras partes da
Constituição. Cuida-se, em verdade, de critério basilar, mas não exclusivo,
já que em diversos casos outros referenciais, podem ser utilizados (como,
por exemplo, o direito à vida e à saúde na hipótese do meio ambiente, ou
mesmo a ampla defesa e os recursos a ele inerentes, no caso da fundamentação
das decisões judiciais e administrativas). Assim, o fato é que – e isto
temos por certo – sempre que se puder detectar, mesmo para além de outros
critérios que possam incidir na espécie, estamos diante de uma posição
jurídica diretamente embasada e relacionada (no sentido de essencial à sua
proteção) à dignidade da pessoa, inequivocadamente estaremos diante de uma
norma de direito fundamental, sem desconsiderar a evidência de que tal
tarefa não prescinde do acurado exame de cada caso.
(…)

José Afonso da Silva[6] também fornece um importante conceito sobre a
questão da dignidade da pessoa humana e o corolário jurídico do dever do
Estado respeitar este direito fundamental:
(…) a tortura e toda sorte de desrespeito à pessoa humana praticadas sob o
regime militar levaram o constituinte brasileiro a incluir a dignidade da
pessoa humana como um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito,
conforme o disposto no inciso III do art. 1º da CF de 1988.
(…)

(…)a dignidade da pessoa humana não é uma criação constitucional, pois ela é
um desses conceitos a priori, um dado preexistente a toda experiência
especulativa, tal como a própria pessoa humana. A Constituição, reconhecendo
sua existência e sua eminência, transformou-as num valor supremo da ordem
jurídica, quando a declara com um dos fundamentos da República Federativa do
Brasil constituída em Estado Democrático de Direito.
(…)

(…)a dignidade da pessoa humana é um valor supremo que atrai o conteúdo de
todos os direitos fundamentais do homem, desde o direito à vida. "Concebido
como referência constitucional unificadora de todos os direitos
fundamentais, [observam Gomes Canotilho e Vital Moreira] o conceito de
dignidade da pessoa humana obriga a uma densificação valorativa que tenha em
conta o seu amplo sentido normativo-constitucional e não uma qualquer idéia
apriorística do homem, não podendo reduzir-se o sentido da dignidade humana
à defesa dos direitos pessoais tradicionais, esquecendo—a nos casos de
direitos sociais, ou invocá-la para construir 'teoria do núcleo da
personalidade' individual, ignorando-a quando se trate de direitos
econômicos, sociais e culturais". Daí decorre que a ordem econômica há de
ter por fim assegurar a todos existência digna (art. 170), a ordem social
visará à realização da justiça social (art. 193), à educação, ao
desenvolvimento da pessoa e seu preparo para o exercício da cidadania (art.
205), etc., não como meros enunciados formais, mas como indicadores, do
conteúdo normativo eficaz da dignidade da pessoa humana.
(…)

A par disso, a vedação a tortura deve ser considerada um direito fundamental
absoluto, já que a mínima prática de sevicias já é capaz de atingir
frontalmente a dignidade da pessoa humana. Nesse sentido é o proclamado no
art. 2º da declaração sobre a proteção de todas as pessoas contra a tortura,
que dispõe que todo ato de tortura ou outro tratamento ou pena cruel,
desumano ou degradante constitui uma ofensa à dignidade humana e será
condenado como violação dos propósitos da Carta das Nações Unidas e dos
Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais Proclamados na Declaração
Universal de Direitos Humanos.

Aliás, a declaração sobre a proteção de todas as pessoas contra tortura ou
outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes, adotada pela
assembléia das Nações Unidas em 09 de dezembro de 1975, já consagrava o
conceito de tortura e repudiava toda forma de manifestação desta, in verbis:

Artigo 1º

§1. Sob os efeitos da presente declaração, será entendido por tortura todo
ato pelo qual um funcionário público, ou outra pessoa a seu poder, inflija
intencionalmente a uma pessoa penas ou sofrimentos graves, sendo eles
físicos ou mentais, com o fim de obter dela ou de um terceiro informação ou
uma confissão, de castigá-la por um ato que tenha cometido ou seja suspeita
de que tenha cometido, ou de intimidar a essa pessoa ou a outras. Não serão
consideradas torturas as penas ou sofrimentos que sejam conseqüência única
da privação legítima da liberdade, ou sejam inerentes ou incidentais a esta,
na medida em que estejam em acordo com as Regras Mínimas para o Tratamento
dos Reclusos.

§2. A tortura constitui uma forma agravada e deliberada de tratamento ou de
pena cruel, desumana ou degradante.

(...)

Artigo 3º

Nenhum Estado poderá tolerar a tortura ou tratos ou penas cruéis, desumanos
ou degradantes. Não poderão ser invocadas circunstâncias excepcionais tais
como estado de guerra ou ameaça de guerra, instabilidade política interna ou
qualquer outra emergência pública como justificativa da tortura ou outros
tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes.

Artigo 4º

Todo Estado tomará, conforme suas disposições da presente Declaração,
medidas efetivas para impedir que sejam praticadas dentro de sua jurisdição
torturas ou outros tratamentos ou penas cruéis, desumanas ou degradantes.

Por seu turno, a convenção contra a tortura e outros tratamentos ou penas
cruéis, desumanos ou degradantes, adotada pela Assembléia Geral das Nações
Unidas em 10.12.1984 e ratificada pelo Brasil em 28.09.1989, conceitua de
forma mais abrangente a tortura, bem como estabelece que nenhuma
circunstância excepcional poderá ser invocada como justificativa para a sua
ocorrência:

Artigo 1º - Para fins da presente Convenção, o termo "tortura" designa
qualquer ato pelo qual dores ou sofrimentos agudos, físicos ou mentais, são
infligidos intencionalmente a uma pessoa a fim de obter, dela ou de terceira
pessoa, informações ou confissões; de castigá-la por ato que ela ou terceira
pessoa tenha cometido ou seja suspeita de ter cometido; de intimidar ou
coagir esta pessoa ou outras pessoas; ou por qualquer motivo baseado em
discriminação de qualquer natureza; quando tais dores ou sofrimentos são
infligidos por um funcionário público ou outra pessoa no exercício de
funções públicas, ou por sua instigação, ou com o seu consentimento ou
aquiescência. Não se considerará como tortura as dores ou sofrimentos que
sejam consequência unicamente de sanções legítimas, ou que sejam inerentes a
tais sanções ou delas decorram.

O presente artigo não será interpretado de maneira a restringir qualquer
instrumento internacional ou legislação nacional que contenha ou possa
conter dispositivos de alcance mais amplo.

Artigo 2º - Cada Estado tomará medidas eficazes de caráter legislativo,
administrativo, judicial ou de outra natureza, a fim de impedir a prática de
atos de tortura em qualquer território sob sua jurisdição.
2. Em nenhum caso poderão invocar-se circunstâncias excepcionais, como
ameaça ou estado de guerra, instabilidade política interna ou qualquer outra
emergência pública, como justificação para a tortura.

Ademais, o ilustre doutrinador José Afonso da Silva[7] também fornece um
conceito de tortura, a seguir transcrito:

A tortura e o tratamento desumano ou degradante são formas bárbaras de
agressão à integridade física da pessoa humana. Agredir o corpo humano é um
modo de agredir a vida, pois esta se realiza nele. A integridade
físico-corporal constitui, por isso, um bem vital a revela um direito
fundamental da pessoa. Daí por que as lesões corporais são punidas pela
legislação penal
(…)

(…) a Constituição vai mais longe: além de garantir a dignidade da pessoa
humana e o respeito à integridade física (e moral) de presos, declara que
"ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante" –
norma que revela triste recordação dos porões do regime militar.
(…)

Trata-se de um conjunto de procedimentos destinado a forçar, com todos os
tipos de coerção física e moral, a vontade de um imputado ou de outro
sujeito para admitir, mediante confissão ou depoimento assim extorquidos, a
verdade da acusação.

(…)

A tortura não é só um crime contra o direito à vida. É uma crueldade que
atinge a pessoa em todas as suas dimensões, e a Humanidade com um todo.

Portanto, inaplicável ao caso em tela o prazo prescricional previsto no
Decreto nº 20.910 de 1932, devendo ser reconhecida a imprescritibilidade da
ação de indenização referente a danos ocasionados para tortura durante a
ditadura militar.

Portanto, rejeita-se a prefacial de prescrição, pois este instituto é
incompatível com o tema em discussão, na medida em que versa sobre direito
inalienável sem prazo para o exercício.
Ademais, é oportuno destacar a possibilidade de reexame amplo da matéria
tratada no presente recurso, na forma do art. 515, §1º, e art. 516, ambos do
CPC, por se tratar de matéria preponderantemente de direito. Assim, o feito
está em condições de ser julgado com os elementos existentes nos autos, nos
termos do art. 330, I, do diploma legal precitado.

Assim, atendida integralmente a legislação processual civil quanto aos
pressupostos legais precitados para a análise das questões controvertidas
nesta instância, a causa pode ter imediata resolução de mérito. Aliás, neste
sentido adotei igual posicionamento na apelação cível 70019235217, julgada
em 17 de maio de 2007, cujo entendimento reafirmo no presente recurso.

Nesse sentido, reproduzo a seguir os ensinamentos de Marinoni[8] ao
asseverar que:

Isso quer dizer que, formulado o pedido de revisão da sentença impugnada,
por meio da apelação, pode o tribunal conhecer – dentro dos limites do
pedido – "todas as questões suscitadas e discutidas no processo, ainda que a
sentença não as tenha julgado por inteiro", sendo que, "quando o pedido ou a
defesa tiver mais de uma fundamento e o juiz acolher apenas um deles, a
apelação devolverá ao tribunal o conhecimento dos demais (§§ 1º e 2º do
art. 515 do CPC).
(...)

Em princípio, o tribunal não deve avançar no exame de temas não decididos
ainda em primeiro grau, já que se supõe, normalmente, que isso violaria o
princípio do duplo grau de jurisdição. Essa idéia, todavia, vem cedendo
espaço e conta com duas importantes exceções postas no regime de apelação.

Inicialmente, como estabelece o art. 515, § 3º, é possível que o tribunal,
afastando questão preliminar em que se baseou o juiz a quo pra extinguir o
processo (e desde que não haja outra preliminar a ser acolhida), examine
desde logo o pedido – sem ter de, previamente, restituir o feito para
julgamento pelo primeiro grau de jurisdição.

Mérito do recurso em exame

Assiste razão à parte autora ao imputar ao Estado demandado a
responsabilidade pelos danos ocasionados em razão dos graves excessos
cometidos pelos policiais civis que empregaram tratamento desumano e
degradante à vítima, além de tortura psicológica e física ao postulante.

Frise-se que a Administração Pública tem responsabilidade de ordem objetiva
pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, no
termos do § 6º, do artigo 37 da Constituição Federal, o que dispensaria a
parte prejudicada de provar a culpa do Poder Público para que ocorra a
reparação, bastando à relação de causalidade entre a ação ou omissão
administrativa e o dano sofrido.

No entanto, o ente público se exonera do dever de indenizar caso comprove a
ausência de nexo causal, ou seja, provar a culpa exclusiva da vítima, fato
exclusivo de terceiro, caso fortuito ou força maior. Da mesma forma, terá o
quantum indenizatório reduzido se comprovar culpa concorrente da vítima para
o evento danoso. Sobre o tema em foco ensina o doutrinador Meirelles[9] que:

Advirta-se, contudo, que a teoria do risco administrativo, embora dispense a
prova da culpa da
Administração, permite que o Poder público demonstre a culpa da vítima para
excluir ou atenuar a indenização. Isto porque o risco administrativo não se
confunde com o risco integral. O risco administrativo não significa que a
Administração deva indenizar sempre e em qualquer caso o dano suportado pelo
particular; significa, apenas e tão-somente, que a vítima fica dispensada da
prova da culpa da Administração, mas esta poderá demonstrar a culpa total ou
parcial do lesado no evento danoso, caso em que a Fazenda Pública se eximirá
integralmente ou parcialmente da indenização.

No mesmo sentido são os ensinamentos de Cavalieri Filho[10] ao lecionar que:


Com efeito, a teoria do risco administrativo, embora dispense a prova da
culpa da administração, permite ao Estado afastar a sua responsabilidade nos
casos de exclusão do nexo causal – fato exclusivo da vítima, caso fortuito,
força maior e fato exclusivo de terceiro. O risco administrativo, repita-se,
torna o Estado responsável pelos riscos da sua atividade administrativa, e
não pela atividade administrativa de terceiros ou da própria vítima, e nem,
ainda, por fenômenos da natureza, estranhos à sua atividade. Não significa,
portanto, que a Administração deva indenizar sempre e em qualquer caso o
dano suportado pelo particular. Se o Estado, por seus agentes, não deu causa
a esse dano, se inexiste relação de causa e efeito entre a atividade
administrativa e a lesão, não terá lugar a aplicação da teoria do risco
administrativo e, por via de conseqüência, o Poder público não poderá ser
responsabilizado.

No caso em exame restou devidamente configurada a responsabilidade do ente
público, ponto este incontroverso da lide. Presente nos autos a conduta
ilícita dos agentes responsáveis pela investigação, porquanto agiram com
flagrante excesso, salvaguardados pelo regime ditatorial vigorante à época.
Preambularmente, com relação ao direito à indenização, esta matéria é ponto
incontroverso da lide, a teor do que estabelece o art. 334, II, do CPC,
tendo em vista que houve o reconhecimento administrativo por parte do Estado
da existência de conduta ilícita por parte de seus agentes públicos,
consubstanciado na prática de tortura, física e psíquica, cujo nexo causal
também restou inconteste quanto a ter ocasionado os danos de ordem
psicológica e atinente a saúde física da parte autora.

Portanto, no caso dos autos configurada a prática do delito hediondo de
tortura por parte dos agentes públicos, os quais teriam a responsabilidade
de garantir a incolumidade física e mental do cidadão mediante o poder de
polícia, e não ao contrário, ocasionar a mais vil das lesões ao espírito
humano, ou seja, submeter determinada pessoa, impotente e desprotegida, as
sevicias de um estado totalitário e sem respeito às garantias mínimas que
asseguram o direito à vida e à dignidade humana, princípios estes subjugados
por uma violência irracional e desproporcional.

Na hipótese em análise, a matéria controvertida diz respeito há apenas dois
pontos: o primeiro deles é quanto à abrangência dos danos reconhecidos
mediante a Lei Estadual nº 11.042/1997, ou seja, o que foi objeto de
indenização e se nesta estaria subsumida a indenização por dano imaterial
pleiteada na presente ação. O outro vértice a ser analisado no presente
feito é o que diz respeito à extensão dos prejuízos causados, isto é, se o
valor pago à parte autora a título de indenização pelos fatos ocorridos nos
calabouços da ditadura foi suficiente e proporcional ao dano em questão, bem
como se serviram para reparar os danos imanentes ao trauma vivenciado pela
parte autora.

Assim, a parte autora no presente feito tem apenas que demonstrar que os
prejuízos morais causados são distintos daqueles indenizados de forma
tarifada pelo Estado, ou ao menos, que aqueles suplantaram em muito a justa
e devida indenização para reparar o mal causado na ocasião.

Consoante se depreende do enunciado da Lei 11.042 de 1997, a qual reconhece
a responsabilidade do Estado do Rio Grande do Sul por danos físicos e
psicológicos causados a pessoas detidas por motivos políticos e estabelece
normas para que aquelas sejam indenizadas, a reparação se restringe à
indenização pelos danos físicos e psicológicos dos presos durante a ditadura
militar, in verbis:
Art. 1º - O Estado do Rio Grande do Sul indenizará, nos termos desta Lei, as
pessoas que, presas ou detidas, legal ou ilegalmente, por motivos políticos
entre os dias 02 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979, que tenham
sofrido sevícias ou maus tratos, que acarretaram danos físicos ou
psicológicos, quando se encontravam sob guarda e responsabilidade ou sob
poder de coação de órgãos ou agentes públicos estaduais.

A mesma conclusão se denota do disposto no art. 5º da mesma legislação, o
qual estabelece parâmetros para a indenização com base na existência de
danos físicos e psicológicos:

Art. 5º - O montante da indenização prevista nesta Lei não será superior a
R$ 30.000,00 (trinta mil reais), nem inferior a R$ 5.000,00 (cinco mil
reais), devendo sua fixação levar em conta a extensão e gravidade das
seqüelas apresentadas pelo ex-preso ou ex-detido, considerando:

I - existência de danos físicos ou psicológicos;

II - existência de nexo de casualidade com a detenção referida no artigo 1º
desta Lei.

Portanto, tendo o autor formulado pedido administrativo para receber
indenização por base na Lei 11.042 de 1997, e estabelecido que esta se
limita a indenizar os danos físicos e psicológicos, não há qualquer óbice a
reparação dos danos morais experimentados, pois estes podem ser aquinhoados
em razão de vértices distintos. Registre-se que o ressarcimento não se deu
em razão dos prejuízos morais sofridos, mas em razão de danos físicos e
psicológicos.

Com efeito, o dano moral envolve diferentes formas de violação aos direitos
da personalidade. Este pode consistir na dor física, no vexame público, no
sofrimento psicológico, na indignação com a impunidade dos ofensores, no
sentimento de marginalização de suas convicções políticas, entre muitos
outros motivos, cujas conseqüências são igualmente diversas sob o ponto de
vista jurídico.

Logo, a honra, a liberdade, a intimidade violadas merecem tutela jurídica
independente, não se confundindo com o valor ressarcido ao autor, que
somente remunera parcialmente os diversos danos experimentados.

Cavalieri Filho[11] consagra que a atual Magna Carta deu uma maior dimensão
ao dano moral, lastreada no valor fundamental da dignidade da pessoa humana,
no qual está englobado o direito à honra, ao nome, à intimidade, à
privacidade e à liberdade:

Tenho por mim que todos os conceitos tradicionais de dano moral terão que
ser revistos pela ótica da Constituição de 1988. Assim é porque a atual
Carta, na trilha das demais Constituições elaboradas após a eclosão da
chamada questão social, colocou o Homem no vértice do ordenamento jurídico
da Nação, fez dele a primeira e decisiva realidade, transformando os seus
direitos no fio condutor de todos os ramos jurídicos. E, ao inserir em seu
texto normas que tutelam os valores humanos, a Constituição fez também
estrutural transformação no conceito e valores dos direitos individuais e
sociais, o suficiente para permitir que a tutela desses direitos seja agora
feita por aplicação direta de suas normas. Ninguém desconhece que as normas
constitucionais, por serem de hierarquia superior, balizam a interpretação e
aplicação de toda a legislação infraconstitucional, de sorte a não ser
possível aplicar esta em desarmonia com aquelas.

Pois bem, logo no primeiro artigo, inciso III, a Constituição Federal
consagrou a dignidade humana como um dos fundamentos do nosso Estado
Democrático de Direito. Temos hoje o que pode ser chamado de direito
subjetivo constitucional à dignidade. Ao assim fazer, a Constituição deu ao
dano moral uma nova feição e maior dimensão, porque a dignidade humana nada
mais é do que a base de todos os valores morais, a essência de todos os
direitos personalíssimos.

Os direitos à honra, ao nome, à intimidade, à privacidade e à liberdade
estão englobados no direito à dignidade, verdadeiro fundamento e essência de
todos os direitos personalíssimos.

À luz da Constituição vigente, podemos conceituar o dano moral por dois
aspectos distintos. Em sentido estrito, dano moral é violação do direito à
dignidade. E foi justamente por considerar a inviolabilidade da intimidade,
da vida privada da honra e da imagem corolário do direito à dignidade que a
Constituição inseriu em seu art. 5º, V e X, a plena reparação do dano moral.
Este é, pois, o novo enfoque constitucional pelo qual deve ser examinado o
dano moral, que já começou a ser assimilado pelo Judiciário, conforme se
constata do aresto a seguir transcrito: "Qualquer agressão à dignidade
pessoal lesiona a honra, constitui dano moral e é por isso indenizável.
Valores como a liberdade, a inteligência, o trabalho, a honestidade, aceitos
pelo homem comum, formam a realidade axiológica a que todos estamos
sujeitos. Ofensa a tais postulados exige a compensação indenizatória" (Ap.
cível 40.541, rel. Des. Xavier Vieira, in ADCOAS 144.719). (grifo meu).

O ilustre doutrinador[12] ainda afirma que o dano imaterial nem mesmo
necessita de algum detrimento anímico à vítima, pois este pode ser a
conseqüência do ato perpetrado pelo ofensor:

Nessa perspectiva, o dano moral não está necessariamente vinculado a alguma
reação psíquica da vítima. Pode haver ofensa à dignidade da pessoa humana
sem dor, vexame, sofrimento, assim como pode haver dor, vexame e sofrimento
sem violação da dignidade. Dor, vexame, sofrimento e humilhação podem ser
conseqüências, e não causas. Assim como a febre é o efeito de uma agressão
orgânica, a reação psíquica da vítima só pode ser considerada dano moral
quando tiver por causa uma agressão à sua dignidade.

Com essa idéia abre-se espaço para o reconhecimento do dano moral em relação
a várias situações
nas quais a vítima não é passível de detrimento anímico, como se dá com
doentes mentais, as pessoas em estado vegetativo ou comatoso, crianças de
tenra idade e outras situações tormentosas. Por mais pobre e humilde que
seja uma pessoa, ainda que complemente destituída de formação cultural e
bens materiais, por mais deplorável que seja seu estado biopsicológico,
ainda que destituída de consciência, enquanto ser humano será detentora de
um conjunto de bens integrantes de sua personalidade, mais precioso que o
patrimônio. É a dignidade humana, que não é privilégio apenas dos ricos,
cultos ou poderosos, que deve ser por todos respeitada. Os bens que integram
a personalidade constituem valores distintos dos bens patrimoniais, cuja
agressão resulta no que se convencionou chamar de dano moral. Essa
constatação, por si só, evidencia que o dano moral não se confunde com o
dano material; tem existência própria e autônoma, de modo a exigir tutela
jurídica independente.

Os direitos da personalidade, entretanto, englobam outros aspectos da pessoa
humana que não estão diretamente vinculados à sua dignidade. Nessa categoria
incluem-se os chamados novos direitos da personalidade: a imagem, o bom
nome, a reputação, sentimentos, relações afetivas, aspirações, hábitos,
gostos, convicções políticas, religiosas, filosóficas, direitos autorais. Em
suma, os direitos da personalidade podem ser realizados em diferentes
dimensões e também podem ser violados em diferentes níveis. Resulta daí que
o dano moral, em sentido amplo, envolve esses diversos graus de violação dos
direitos da personalidade, abrange todas as ofensas à pessoa, considerada
esta em suas dimensões individual e social, ainda que sua dignidade não seja
arranhada.

Há que se reconhecer, igualmente, que os prejuízos causados excedem em muito
o valor pago à parte autora a título de indenização pelos fatos ocorridos,
bem como não se prestaram a reparar os danos imanentes, que só se
evidenciaram em lapso temporal posterior ao pagamento da reparação.
Ademais, há que se ressaltar que na ocasião o autor foi contemplado com o
limite máximo tarifariamente estabelecido em função dos horrores a que foi
submetido na adolescência, pois contava como apenas 16 anos na ocasião, e
teve esmagados os seus ideais pela violência desproporcional e abusiva,
própria daqueles que se escondem atrás dos títulos inerentes aos cargos
públicos para praticar o mal, valendo-se da máquina estatal e de vítimas
indefesas para tanto.

Portanto, mesmo que se admita que indenização que foi contemplado com o
limite máximo estabelecido (R$ 30.000,00) se destinava também a reparação
por dano moral, o que incorreu no caso em análise, conforme esclarecido
anteriormente, restou evidenciado nos autos que o martírio experimentado
pelo autor foi em muito superior a ínfima reparação deferida.

Nessa seara, a fim de dar suporte aos argumentos antes expostos, e ressaltar
a gravidade do evento em questão, cumpre transcrever um breve relato da
prisão e tortura vivenciada pelo autor (fls. 33-34):
Fui conduzido, algemado, à Delegacia Regional, onde funcionava o SOPS, na
Rua Marquês do Herval, esquina com a Rua Pinheiro Machado, em Caxias do sul,
onde fui revistado e interrogado. Meus avós presenciaram a prisão. Embora
tenha sido ameaçado, não houve torturas físicas. Mas, lembro que por volta
das 22 horas e 30 minutos fui levado para os matos próximos à represa São
Miguel, onde fui ameaçado de morte. Levei pontapés e socos pelo corpo.
Voltei para a Delegacia Regional, exigiram que escrevesse uma confissão, mas
não a fiz. A noite ainda estava longe de terminar. Por volta de 1 hora e 30
minutos da madrugada, fui levado a Porto Alegre, em um carro sem
identificação (fusca)
acompanhado por três elementos e o Delegado Regional. Sentia frio e medo,
mas me mantive firme. Sentia dor de cabeça, meu estômago doía. Só anos mais
tarde fui saber que eram os primeiro sintomas de uma gastrite que me
acompanhou por muitos anos e até hoje se manifesta. O veículo foi
acompanhado até Porto Alegre por outros dois da Polícia Civil que seguiram a
uma certa distância. Em um deles havia outro companheiro preso: José Ruaro.

Em Porto Alegre, chegamos por volta das 3 horas e 30 minutos da manhã. fomos
levados direto ao Palácio da Polícia na Avenida Ipiranga. Fui algemado,
encapuzado e levado para o 2º piso, onde funcionava o DOPS. Ao chegar, levei
um soco no queixo, ainda no corredor de acesso. Fui levado, então, para uma
pequena sala de interrogatórios, conhecido com "fossa", localizada à
esquerda do corredor interno do DOPS, forrada em todas as paredes com pilhas
de livros apreendidos e que serviam para diminuir os gritos dos torturados.

Durante muitos anos, ouvia estes gritos à noite ao deitar para dormir, usei
vários calmantes e até hoje meu sono não é tranqüilo.

As torturas consistiam de choques elétricos nas orelhas, mãos e pés, através
de um telefone de campanha (apelidado de "Maricota"). Com algemas nos
braços, permaneci por longo tempo imobilizado. Além dos choques elétricos,
havia a aplicação de golpes nas costas com o "Papalégua", que era um pedaço
de madeira preso a uma tira com mais ou menos 40 centímetros de comprimento,
por 4 centímetros de largura de pneu de automóvel. Tive rompimento das
minúsculas veias embaixo da pele o que provocava o derrame de sangue
internamente. Por um momento, naquela noite, fiquei longe da presença dos
torturadores. Pude, então, conversar com o Paulo de Tarso Carneiro, que
havia sido preso alguns dias antes, e permaneceu na mesma sala de tortura
por longe tempo.

(…) Por volta das 9 horas do dia seguinte fui levado ao aeroporto,
encapuzado, sendo transportado para Caxias do Sul. Os policias queriam
localizar "Sílvio", outro companheiro. Felizmente não deu certo. Na tarde do
dia 10 houve nova sessão de tortura, no prédio da Delegacia Regional, agora
em Caxias. Naquela noite voltamos para Porto Alegre e diretor para o DOPS,
onde encontrávamos numa cela juntamente com Hélio Minuto, Carlos Pinto e seu
irmão. Ao lado estava índio Vargas, João Bona Garcia, Elvaristo Teixeira do
Amaral. Novas torturas voltaram a ocorrer a cada novo interrogatório. Aliás,
a pior delas, e que lembro até hoje, era escutar o grito de dor dos
companheiros durante noites inteiras de interrogatório, tanto no 2º andar,
onde estávamos, como no 3º andar do Palácio da Polícia, onde funcionava a
Divisão de Investigação do Exército.

Em meados de maio, fui levado à Ilha do Presídio, no Rio Guaíba. Lá
permaneci noites de frio e fome,
nos dividíamos em celas, na cela onde estava, encontrava-se 8 companheiros
entre eles Orlando Pedro Michelli, José Ruaro, Paulo de Tarso Carneiro,
podíamos conversar e até escutar rádio. Estávamos isolados e sem
possibilidade imediata de liberdade, mas o dias e as noites já não eram tão
difíceis, apesar que, durante o seqüestro do embaixador alemão, que ocorreu
em início de junho de 1970 e culminou com o banimento do país de
companheiros no dia 15 do mesmo mês, ficamos totalmente incomunicáveis na
ilha, os rádios foram apreendidos, ocasionando novamente um clima de medo e
apreensão, entre todos, voltando a ocorrerem sessões de tortura.

Na mesma ilha, apesar de ser inverno, não havia chuveiro elétrico, os banhos
eram tomados em uma lata de tinta furada, de onde a água gelada escorria de
um cano. Os banheiros eram abertos sem paredes e com uma abertura gradeada,
dando direto para o rio.

As celas não possuíam janelas e as grades davam para um corredor, que suas
extremidades eram grades, sem porta ou vidro algum, onde o vento gelado do
inverno gaúcho soprava diuturnamente. O piso da cela, não havia revestimento
térmico algum, era puro concreto, o que tornava o local ainda mais frio.
Lá permaneci por mais de três meses. Só no final de agosto, fui libertado.
No entanto, continuei sentindo o peso da prisão ainda por muito tempo,
primeiro, pela proibição de voltar a estudar tanto em escolas públicas,
quanto particulares; depois, por continuar a responder processo por mais
sete anos, até a decisão final que saiu em junho de 1977. Além disso,
durante todo este período, fui visitado e ameaçado pelos elementos da SNI,
DOPS, Polícia Civil, que me procuravam no local de trabalho, em casa e até
mesmo na rua, sendo que a última visita aconteceu em no final de 1978,
depois de mais de um ano de absolvição pelo Superior Tribunal Militar, em
recurso do Ministério Público. Por fim, passei estes 28 anos, tratando de
uma gastrite de fundo emocional, crises de depressão, e insônia que até hoje
me perturba. Passei estes anos todos sob o efeito de calmantes,
tranqüilizantes e outros remédios.

Causa repugnância a forma covarde com que o autor foi tratado, um
adolescente que pouca ou nenhuma ameaça poderia produzir ao regime
antidemocrático instaurado, denotando-se que as agressões mais de prestaram
a satisfazer o caráter vil dos agressores, do que assegurar a perpetuação do
regime, atitudes que eram incentivadas – ou ao menos toleradas – pelas
autoridades competentes.

Nessa seara o parecer psicológico de Luciano Fialkoski (fls. 38-40) dá conta
do suplício mental experimentado pelo autor durante e depois dos atos
praticados pelos agentes públicos. Evidenciado, portanto, que o postulante
experimentou danos ocasionados pelo trauma durante toda a sua vida, mesmo
após o ressarcimento pela administração pública, comprovando o caráter
imanente da lesão gerada. Eis o teor do parecer psicológico:

1. Considerando a idade que Airton contava na época, 17 anos, estamos diante
de um adolescente, portanto vivenciado as modificações psíquicas que se
estampam no comportamento, onde são observadas certas características que
podemos descrever como um necessário processo de avessamento psíquico das
aquisições da educação familiar durante a infância, processo que tem por
destino a estruturação final dos valores, caráter e personalidade que
caracterizarão o futuro adulto. É sabido que muitas vezes as manifestações
desse processo produzem uma exacerbação no comportamento, comumente tomado
pelos adultos como rebeldia adolescente.

No caso de Airton, essa passagem coincidiu com o momento político
institucional, ocasião que levou a envolver-se com o movimento estudantil da
época, local propício para a canalização daqueles anseios subjetivamente
idealizados característicos da fase da adolescência. A vinculação com a
dimensão política desse envolvimento não tinha nada a ver com aquelas
necessidades subjetivas de desenvolvimento psíquico a que se prestavam,
naquela ocasião, carreando da vida escolar e participação nos grupos da sua
idade, seu alimento principal. Não foram, portanto, as convicções
ideológicas que o levaram a se envolver com as ações no meio estudantil, mas
que o levaram à prisão política, no entanto.

A prisão por si só não traria maiores conseqüências, muitas vezes comuns em
casos de arruaças adolescentes em fins-de-semana. Porém, temos que
diferenciá-la dos atos de tortura sofridos, segundo Airton, durante a
prisão. Nestes casos, onde a prisão é acompanhada de tortura, mesmo o adulto
sofre conseqüências que em geral, sabe-se por farta literatura, deixam
marcas que o obrigam a constantemente se ocupar dos fantasmas que
representam tais episódios, pelo resto de suas vidas. No caso de Airton, por
ser adolescente na época, temos então que considerar que os atos de tortura
sofridos incidiram sobre uma personalidade não totalmente formada, cujas
seqüelas decorrem, entre outras, da interrupção drástica dos mecanismos
normais de elaboração das vivências da adolescência em curso normal até
então, por obrigá-lo neste caso, segundo relata, sob agressão física e de
forma compulsória e de total submissão, a ter que agir contrariamente a suas
convicções mais profundas, ao mesmo tempo que articular simbolicamente algo
estranho às relações sociais vividas até então, na sua formação psíquica
individual.

2. Outro ponto que podemos considerar se refere ao fato de que muitas vezes
ocorrem, durante a
infância e adolescência, atos agressivos de adultos responsáveis pela
formação de uma criança ou adolescente, em especial os pais, que se
aproximam em grau aos atos de crueldade característicos de tortura. Porém,
mesmo nestes casos, os prejuízos psíquicos só não são maiores pelo fato de
que os laços afetivos em jogo são também laços de amor e que, pela presença
de patologia nos pais, se mesclam, não deixando, mesmo assim, de ter suas
conseqüências psíquicas danosas. No caso da tortura sofrida por Airton,
conforme relata, esta foi perpetrada por quem não possuía nenhum laço
afetivo com o mesmo, o que tornam esses atos muito mais graves do ponto de
vista da agressão e danos psíquicos. Podemos aventar como sendo da ordem das
seqüelas, entre outros, o afastamento sumário que se seguiu ao episódio, dos
amigos e pessoas com os quais mantinha relações de afeto, de lealdade e
credibilidade, dimensões importantes da vivência adolescente entre seus
pares, para o futuro adulto, aspectos que aparecem prejudicados, se levarmos
em conta o perfil das relações sociais que o mesmo passou a viver após sua
prisão, caracterizado basicamente pela inibição e afastamento dos amigos da
época, que passou a constituir como item limitador da sua vida afetiva e
social, sendo que até hoje tem extrema dificuldade de constituir amizades. A
inibição e afastamento também eram gerados por uma fantasia obsessiva de que
"iria prejudicar alguém".

3. Devemos considerar também a passagem de Airton por locar de prisão onde,
segundo se refere, vivenciou, por vários meses, a proximidade com colegas
presos que eram torturados, cujos gritos e ruídos ouvidos desde sua sela,
também representaram um ato de tortura compulsório que deixou marcas
psíquicas a partir daí, parecendo até hoje presentes. Os sintomas da
permanência destas marcas aparecem quando Airton ouve gritos ou vozes
difusas em torno do ambiente em que se encontra, levando-o a se alterar
emocionalmente, de imediato, provocando comportamentos de defesa exacerbados
ante tais estímulos. Sente-se impelido a ir de encontro a tais estímulos.
Sente-se impelido a ir de encontro a tais estímulos procurando
interrompê-los a qualquer custo, inclusive tal acontecendo na relação com
seus filhos infantes. Neste caso, como pareceria outro agravante, como
seqüela, que é o prejuízo que essas reações e características sintomáticas
provocam na sua relação pai-filhos.

Impende destacar, ainda, o parecer exarado pelo relator do processo
administrativo, o Sr. Carlos Alberto Franck (fls. 43 e 47/48):

A prisão de Aírton Joel Frigeri merece um especial análise. Pois entre todos
os casos por mim analisados este é o terceiro em que um menor de idade é
preso e seviciado; 16 anos tinha na época. Portanto, peço que me perdoem os
auditores, por estender-me um pouco reportando-me ao que o próprio jovem
relata, e estendendo-me também a observações que o dever me obriga, mais que
isto, a repugnância que causa tal sorte de crime!

(…)

É impressionante o poder que os policiais tinham sobre os seus prisioneiros;
de vida e morte,
protegidos pelo poder discricionário, que sobrepõe-se a qualquer direito
cidadão, mais ainda quando se trata de um jovem menor de idade, protegido
pela constituição e por acordos firmados a níveis internacionais; nem falar
do mais importante, o respeito devido à criança, algo que não se aprende nas
escolas, que é cerne intuitivo de qualquer ser com ética e moral. Tinham os
policiais carta branca para atuar, desde que obtivessem resultados
satisfatórios; resultados que somavam glórias e currículos que os levavam a
pensões, a super salários, por serem durões e sem escrúpulos, aos aplausos
de seus superiores. Mostra esse processo, a diferença de tantos outros de
maior ou menos nível de sevícias, por se tratar de um menor de idade. O
cerne imoral, antiético, antidemocrático, doentio, desumano de qualquer
ditadura. O preso, nas mãos deles, perde qualquer valor, rosto, mesmo a
condição de criança; é transformado num trapo pelo simples e inalienável
direito de exercer seus deveres cidadãos, de escolha, preferência, de
opor-se intuitivamente ao que condena, de condena ou aplauso; e dizer que
comunistas comiam criancinhas! Como o jovem Frigeri, com apenas dezesseis
anos de idade, mas que suficiente valentia e dignidade teve, para alçar a
sua vós contra o arbítrio, o crime de lesa-humanidade, a prepotência, o
egocentrismo dos super poderes, dos direitos individuais cercados, contra os
cernes conhecidos do caracter fascistas! Casos como o do jovem Frigeri, são
os melhores exemplos, os que impõe maior qualidade de interrogações, de
reflexões; pois que outro conclusão permite formar sobre um governo que a
tanto crime permite, senão de criminal!? Que outra conclusão permite tanto
crime, senão a concluir ser ele um governo formado por criminais!?

Desta forma, não há dúvidas quanto à ilicitude dos atos praticados pelos
agentes públicos, nem quanto ao nexo causal ou dever de reparar, insculpidos
no art. 186 do Código Civil, nem ao menos da responsabilidade objetiva que
cabe ao Estado em função da prática de tortura comprovada no feito e
realizada por aqueles. Portanto, é devida a indenização pleiteada à título
de dano moral.

Dos danos morais

Preambularmente, cumpre ressaltar que, uma vez reconhecida a
responsabilidade do Estado pelo evento danoso, exsurge o dever de ressarcir
os danos daí decorrentes, como o prejuízo imaterial ocasionado, decorrente
da dor e sofrimento do autor, em razão do constrangimento e vexame moral ao
qual foi submetido nas masmorras de um regime totalitário, cuja tortura é a
prática mais vil a que o ser humano pode ser exposto. Aliado ao fato de que
se trata aqui de dano moral puro que prescinde de qualquer prova a respeito,
embora estas existam a profusão no presente feito, pois a profunda amargura
que atinge ao âmago do indivíduo nesses casos é presumível, o que é passível
de indenização.

A esse respeito, é oportuno trazer à colação os ensinamentos do jurista
Cavalieri Filho[13] ao asseverar que:

... Por mais pobre e humilde que seja uma pessoa, ainda que completamente
destituída de formação cultural e bens materiais, por mais deplorável que
seja seu estado biopsicológico, ainda que destituída de consciência,
enquanto ser humano será detentora de um conjunto de bens integrantes de sua
personalidade, mas precioso que o patrimônio, que deve ser por todos
respeitada. Os bens que integram a personalidade constituem valores
distintos dos bens patrimoniais, cuja agressão resulta no que se
convencionou chamar de dano moral. Essa constatação, por si só, evidencia
que o dano moral não se confunde com o dano material; tem existência própria
e autônoma, de modo a exigir tutela jurídica independente.

É oportuno ressaltar a peculiaridade do caso em exame, pois se trata da
redução de um ser humana a condição de coisa, sem valor, sem passado ou
futuro, apenas um objeto a ser submetido à forma mais perversa de maldade,
aquela que atinge não só a existência física, mas busca esmagar a alma e a
condição de indivíduo, qual seja a tortura, sem dúvida que esta destitui a
vítima de sua dignidade, mal este que merece reparação.

Do quantum a ser fixado para indenização por dano moral

Com relação ao valor a ser arbitrado a título de indenização por dano moral
há que se levar em conta o princípio da proporcionalidade, bem como, as
condições do ofendido, in casu, agricultor, que utiliza do benefício da
gratuidade judiciária, a capacidade econômica do ofensor, ente público de
direito interno, ou seja, o Estado. Acresça-se a isso a reprovabilidade da
conduta ilícita praticada e, por fim, que o ressarcimento do dano não se
transforme em ganho desmesurado, deixando de corresponder à causa da
indenização. Nesse sentido, Cavalieri Filho[14] discorre sobre este tema,
mais uma vez, com rara acuidade jurídica, afirmando que:

Creio que na fixação do quantum debeatur da indenização, mormente
tratando-se de lucro cessante e dano moral, deve o juiz ter em mente o
princípio de que o dano não pode ser fonte de lucro. A indenização, não há
dúvida, deve ser suficiente para reparar o dano, o mais completamente
possível, e nada mais. Qualquer quantia a maior importará enriquecimento sem
causa, ensejador de novo dano.

Creio, também, que este é outro ponto onde o princípio da lógica do razoável
deve ser a bússola norteadora do julgador. Razoável é aquilo que é sensato,
comedido, moderado; que guarda uma certa proporcionalidade. A razoabilidade
é o critério que permite cotejar meios e fins, causas e conseqüências, de
modo a aferir a lógica da decisão. Para que a decisão seja razoável é
necessário que a conclusão nela estabelecida seja adequada aos motivos que a
determinaram; que os meios escolhidos sejam compatíveis com os fins visados;
que a sanção seja proporcional ao dano. Importa dizer que o juiz, ao valorar
o dano moral, deve arbitrar uma quantia que, de acordo com o seu prudente
arbítrio, seja compatível com a reprovabilidade da conduta ilícita, a
intensidade e duração do sofrimento experimentado pela vítima, a capacidade
econômica do causador do dano, as condições sociais do ofendido, e outras
circunstâncias mais que se fizerem presentes.

Portanto, a indenização deve ter um caráter preventivo, com o fito de a
conduta danosa não voltar e se repetir, assim como punitivo, visando à
reparação pelo dano sofrido. Não devendo, contudo, se transformar em objeto
de enriquecimento ilícito devido à fixação de valor desproporcional para o
caso concreto.

Desse modo, o valor a título de danos morais, ao meu sentir deve levar em
consideração as questões fáticas presentes nos autos e mencionadas
anteriormente, tais como a extensão do prejuízo, a devida quantificação da
conduta ilícita e capacidade econômica do ofendido.

Nesse contexto, entendo que para a controvérsia examinada, adequada se
mostra a indenização no montante equivalente a R$ 200.000,00 (duzentos mil
reais), quantia esta que não se mostra nem tão baixa – assegurando o caráter
repressivo-pedagógico próprio da indenização por danos morais – nem tão
elevada – a ponto de caracterizar um enriquecimento sem causa.

Assim, entendo que o quantum indenizatório fixado a título de dano moral
seja equivalente à gravidade do prejuízo ocasionado, de forma a compensar a
vítima pela lesão causada, mostrando-se compatível com as condições
examinadas no caso em tela.

Do termo inicial dos juros e da correção monetária

Com relação à incidência de juros e correção monetária sobre o valor da
condenação, é importante assinalar que aqueles são corolários legais desta,
de sorte que é desnecessário que a sentença disponha expressamente a esse
respeito.

Frise-se que a correção monetária não representa encargo, uma vez que
neutraliza os efeitos do tempo sobre o valor da moeda, ou seja, é
conseqüência do próprio crédito, não importando em acréscimo ao quantum
devido, mas mera manutenção do poder aquisitivo da moeda em curso no país,
de sorte que a não-satisfação desta importa em enriquecimento sem causa por
parte da apelante. Logo, deve ser ressarcido integralmente ao credor, de
acordo com o disposto no artigo 884, caput, in fine, do atual Código Civil,
bem como em função de expressa disposição da Lei n.º 6.899/80.

De outro lado, o índice que medirá esta atualização deve ser o IGP-M, que é
o parâmetro adotado por esta Corte como fator de correção monetária, pois é
o que melhor atualiza o valor nominal da moeda em curso no país, sendo que o
entendimento deste Colegiado é de que esta deve incidir a contar do
arbitramento da indenização.

Aliás, a questão envolvendo o termo inicial da correção monetária,
anteriormente controvertida na
jurisprudência dos tribunais pátrios, restou pacificada com a edição recente
da Súmula nº. 362 pelo Superior Tribunal de Justiça, em 15 de outubro de
2008:

Súmula nº. 362 do Superior Tribunal de Justiça: A correção monetária do
valor da indenização do dano moral incide desde a data do arbitramento.

No que tange aos juros moratórios estes devem incidir a base de 1% ao mês,
na forma do artigo 406 do Código Civil, em consonância com o disposto no
artigo 161, § 1º, do Código Tributário Nacional, a partir do reconhecimento
do fato em análise. Dispositivos estes que autorizam a incidência imediata
do percentual precitado para a hipótese de moratórios, em especial no caso
em exame, no qual a reparação deve ser a mais ampla possível, sob pena de
importar em prejuízo para a parte autora. Nesse sentido são os arestos a
seguir transcritos:

RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MORAL. INSCRIÇÃO EM CADASTRO DE INADIMPLENTES.
VALOR DA REPARAÇÃO. TERMO INICIAL DOS JUROS DE MORA. VERBA HONORÁRIA.
Preliminar de nulidade da sentença, por cerceamento de defesa, rejeitada. A
reparação do dano moral há de ser arbitrada em consonância com as
circunstâncias de cada caso e tendo em vista as posses do ofensor e a
situação pessoal do ofendido, evitando que se converta em fonte de
enriquecimento ou se torne inexpressiva. Valor da reparação mantido. Juros
de mora contados da data do evento danoso. Súmula 54 do STJ e art. 398 do
atual CC. Verba honorária majorada. Apelação provida em parte. (Apelação
Cível Nº. 70027280932, Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS,
Relator: Leo Lima, Julgado em 17/12/2008).

APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. DESCONTO
PREVIDENCIÁRIO INDEVIDO. DANO MORAL. CONFIGURAÇÃO. Evidenciado o ilícito da
ré, que procedeu o desconto do benefício previdenciário da autora, junto ao
INSS, de parcelas de financiamento não contratado pela beneficiária,
privando-a da utilização dos valores indevidamente deduzidos, caracterizado
está o dano moral puro ou in re ipsa, exsurgindo, daí o dever de indenizar.
Assim, de acordo com os parâmetros adotados por esta Câmara, em casos
análogos, a indenização resta fixada em R$ 8.300,00, acrescida de correção
monetária pelo IGP-M a contar da sessão e julgamento e de juros legais,
incidentes a partir do evento danoso. Sucumbência redimensionada. APELAÇÃO
PROVIDA. (Apelação Cível Nº. 70026937383, Quinta Câmara Cível, Tribunal de
Justiça do RS, Relator: Romeu Marques Ribeiro Filho, Julgado em 29/10/2008).

O presente feito apresenta uma peculiaridade que distingue o caso dos autos
dos demais que versam quanto a responsabilidade civil aquiliana, o fato do
dano ter sido reconhecido a partir da Lei Estadual nº 11.042/1997, sendo o
termo inicial a ser considerado para a incidência dos juros moratórios é a
data na qual o pedido administrativo foi dirigido à Administração Pública e
deferido por esta, tendo em vista que foi constituída a obrigação de
indenizar desde aquele marco, ou seja, a partir do ingresso daquele pleito
retroagem os efeitos do reconhecimento da evento danoso em questão.

Por derradeiro, no que tange a sucumbência, o demandado deverá arcar com o
pagamento das custas
processuais, assim como, suportar os honorários advocatícios aos
procuradores da parte adversa, sendo que fixo em 20% sobre o valor da
condenação na forma do art. 20, § 3º, do CPC, tendo em vista o trabalho
realizado pelos procuradores das partes e complexidade da causa, além do
resultado obtido na demanda.

III - DISPOSITIVO

Ante o exposto, voto no sentido de dar provimento ao apelo a fim de afastar
a prescrição do direito de ação, bem como condenar o demandado ao pagamento
de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais) a título de indenização por danos
morais, corrigidos monetariamente a partir do arbitramento e acrescidos de
juros moratórios desde a data do pedido administrativo feito ao Estado,
conforme fundamentação delineada no corpo do voto. No que tange à
sucumbência, esta é reordenada de acordo com o preconizado anteriormente.

DES. ROMEU MARQUES RIBEIRO FILHO (REVISOR) - De acordo com o(a) Relator(a).
DES.ª ISABEL DIAS ALMEIDA - De acordo com o(a) Relator(a).

DES. JORGE LUIZ LOPES DO CANTO - Presidente - Apelação Cível nº 70037772159,
Comarca de Caxias do Sul: "DERAM PROVIMENTO AO RECURSO. UNÂNIME."

Julgadora de 1º Grau: MARIA ALINE FONSECA BRUTTOMESSO

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