Agradecimentos ao professor Joao Tomas Luchsinger.
15/12/2010 - 15:07 | Álvaro Diaz | Brasília
Wikileaks e o futuro da internet O gigantesco vazamento de documentos do
Departamento de Estado dos Estados Unidos, que o Wikileaks pôs à disposição
de cinco jornais de grande prestígio mundial, desencadeou uma crise de
proporções muito maiores do que o Watergate ou a revelação dos papéis do
Pentágono sobre a Guerra do Vietnã.
Mas o que mais preocupa é a reação diante dos vazamentos, que sacodem a
opinião pública mundial. A resposta foi dura e reforçará o segredo. Empresas
como a Amazon excluíram o Wikileaks de seus servidores. Prestigiadas
universidades norte-americanas recomendaram aos estudantes que não acessem o
site da organização, porque assim colocariam em risco a possibilidade de
serem contatados pelo governo dos EUA. Ao mesmo tempo, hackers suspeitos
ativaram milhares de computadores zumbis para lançar ciberataques à
infraestrutura do Wikileaks. Alguns extremistas de direita foram além. Não
só querem a "morte digital" como pedem a prisão e a execução de Julián
Assange.
Os vazamentos não terminaram e esta batalha apenas começou. Mas além das
piadas e dos registros para a história, o que está em jogo aqui é a luta
entre o controle e a liberdade da internet. Para entendê-la não se pode
deixar-se confundir pelos tecnicismos. No fundo, toda a rede digital tem
regras que podem incluir ou excluir, monitorar ou respeitar a privacidade,
dar segurança ou insegurança, permitir a liberdade de expressão ou a
censura. Sem dúvida, estas regras não se transformam em leis, mas em um
software proprietário como o iPhone, como um software aberto como Wikipedia
ou como tantos vírus que se espalham globalmente pela Internet, alguns dos
quais não foram criados por hackers individuais, mas por Estados.
Em países autoritários, o controle é simples e direto: existe censura e é
proibido visitar alguns sites. Em países democráticos, também existem
poderosas forças que tentam controlar as redes digitais. A diferença é que
os processos são mais sofisticados e avançam por vias paralelas. Por um
lado, há uma tendência à concentração do poder econômico na internet, que se
manifesta na importância crescente das redes proprietárias, tais como
iTunes, NetFlix, Facebook, assim como as redes de celulares dominadas por
empresas de telecomunicações.
Este movimento vem acompanhado por uma importante pressão para reforçar a
propriedade intelectual na internet. Por outro lado, as corporações privadas
e as organizações de inteligência tentam identificar preferências de consumo
e vigiar a vida privada dos cidadãos, muitas vezes sem consentimento ou
conhecimento dos mesmos.
A sociedade civil não se submete facilmente. Importantes grupos de opinião
pressionam para que os tribunais competentes investiguem mais cuidadosamente
os casos de abuso de monopólio e a vulnerabilidade dos direitos do
consumidor na internet. Deste modo, existe uma crescente pressão social por
mais transparência do Estado na internet, o que também acontece com os
grupos econômicos e as grandes empresas privadas. Importantes ONGs se
mobilizam para alcançar uma legislação de propriedade intelectual que
equilibre os direitos do autor e o acesso social na internet.
Princípios
A batalha pelo controle e pelo acesso às redes digitais é o espelho da velha
luta histórica sobre os princípios de igualdade, liberdade e democracia. O
primeiro se refere à igualdade de acesso, que continua sendo relevante em
nosso país, porque só um terço dos chilenos tem acesso diário à internet. O
segundo se refere à liberdade de expressão em uma rede cujo objetivo é
superar o oligopólio dos meios de comunicação. E o terceiro, ao fato de que
a Internet deve ser uma ferramenta que faz da transparência a base
fundamental de uma democracia republicana, uma transparência que deve ser
efetiva e informal.
Neste contexto se desenvolve a disputa sobre o Wikileaks. As democracias
conseguem superar as tendências concentradoras e autoritárias
universalizando o acesso a uma internet aberta, inclusiva e sem censura? O
que se impõem às redes proprietárias dominadas por monopólios que selecionam
conteúdos, com Estados que desenvolvem sofisticados métodos de vigilância e
legislações de propriedade intelectual excludentes que frearam a difusão do
conhecimento e, portanto, a inovação? Não sabemos, mas é certo que a derrota
da internet que conhecemos hoje poderia converter o sonho de uma sociedade
da informação em uma utopia orweliana.
Evitemos mal entendidos. Agora não se propõe que tudo seja conhecido porque
isto se choca com o principio da privacidade. Tampouco se trata de
questionar a necessária discrição com a qual se deve operar toda a
diplomacia. Mas tal como expressa a lei chilena, toda matéria pública
deveria ser, em princípio, transparente, sempre quando não afeta a segurança
nacional ou privada. Com isto, não me refiro só à administração publica, mas
toda atividade privada que gera interesses externos ou que está associada à
provisão de bens públicos, tais como saúde, educação, energia elétrica, água
potável e outras.
A transparência é fundamental para impedir que nossa democracia seja
prisioneira de poderes fanáticos e opacos, que tomam decisões que afetam a
vida de milhões de chilenos. Não foi para isto que derrotamos a ditadura de
Pinochet. Se queremos uma democracia inclusiva e efetiva, é indispensável
universalizar o acesso a uma internet aberta e não controlada, porque com
ela se construirão contrapesos efetivos aos poderes fanáticos, se deterão
correntes autoritárias, ao mesmo tempo que inevitavelmente se terminará com
o oligopólio dos meios de comunicação, substituindo-os por um espaço aberto,
democrático e de ideias competentes.
Wikileaks e os principais jornais do mundo ocidental trouxeram uma imensa
contribuição. Longe de ameaçar a segurança mundial, o grande vazamento de
2010 é uma fonte de ensinamento de como funcionam as relações de poder no
mundo, tanto em países autoritários como em países democráticos. Nos
primeiros já temos experiência, mas é nos segundos que o Chile tem que
aprender mais. As democracias devem saber se defender de poderes fanáticos,
sejam nacionais ou estrangeiros, que atuam de forma opaca e secreta. A
receita é clara: para mais democracia e mais transparência, precisamos
universalizar o acesso a uma internet aberta e livre.
* Álvaro Díaz é economista e ex-embaixador do Chile no Brasil]
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