sexta-feira, 21 de outubro de 2011

artigos recebidos do professor João Tomas


Ricardo Giuliani Neto

Julgamentos por email: a dose é pra mamute

17/10/2011 - 11h37

Li no jornal que o Tribunal de Justiça de São Paulo pretende implantar o tal de julgamento por email. Sim!, está no jornal Folha de S. Paulo e nas mentes daqueles que fazem justiça a partir de critérios importados dos especialistas na fabricação de pregos, lingotes de aço e de aberrações humanas; evidentemente, tudo devidamente lançado nos relatórios de produtividade que elevam o ego "empresarial" das administrações judiciárias. 

Podem ir dizendo que sou romântico e atrasado! Se querer justiça é querer homens justos, então sou um romântico dinossauro em fase de excitação. A cada dia que passa minha passividade está indo pro saco, e como dois corpos não podem ocupar o mesmo lugar ao mesmo tempo e no mesmo espaço, a bolsa escrotal, lógico e cientificamente, vai estourando de tão cheia que está.

Virtualidades estúpidas! A desumanização do Poder Judiciário começa a cheirar carniça! As teleconferências que afastam os juízes dos presos amontoados nos presídios sujos e com carcereiros a marcê da corrupção e da bandidagem, protege a toga da sujeira que nós, sociedade, produzimos. Como resolver? Afastando os homens doutores dos homens apodrecidos pelas nossas mazelas sociais e econômicas? Está a solução dos bem-cheirosos a Chanel número 5.

Sim, dizem os luminares dos julgamentos por email: "os advogados não comparecem às sessões de julgamento, então perguntemos a eles se querem o julgamento por email"; garantir-se-ia a justeza do procedimento.

Ora, é como a história do sofá; o homem que apanha a esposa em plena traição sobre o sofá da sala, decide-se, em ato de alta sabedoria, por arremessar o sofá pela janela. Ora, outra vez! O advogado é só o advogado! O juiz é só o juiz! E a parte?, o João?, a Maria?, a Eutrópia e o Epaminondas?, onde ficam? Não ficam! Joguemos, pois, o sofá do andar cinquenta!

Não! Nos dias de hoje dar justiça é prestar satisfações aos homens da justiça; é falar pro advogado, pro juiz, pro serventuário, pro promotor! Ora?!, uma vez mais, ora!, e a sociedade? Não merece resposta alguma?! Caímos sentados sobre o sofá da sala prestes a se espatifar diante dos argutos e burocráticos relatórios do Conselho Nacional de Justiça.

Não precisamos de homens eficientes, necessitamos dos justos, das  togas sofridas que choram ao julgar, da pena firme, porém doída pela dor do fazer penar, da lágrima caída pela decisão de afastar o filho do pai. Não quero os  relatórios das gentes eficientes, planilhas falaciosas e desumanizantes; perfeitas nas matemáticas e enfáticas nos desvios-padrão; não quero juízes craques em produtividade, não precisamos de magistrados mestres em administração de números. 

Meu Deus — e eu que em Deus não creio — quantas Patrícias mais precisaremos? Meu Deus, quantas ainda existem por aí? Quantos homens justos se vão sufocados pelos "julgamentos por Email"?

Roubaram dos nossos olhos os olhos do Juiz; o juiz justo vai-se moribumdo diante da carga de porcarias internéticas concebidas por "eficientes" mentes virtuais.

Epidêmia de violência na América Latina

Luiz Flávio Gomes

Editorial do jornal O Globo, de 1º de outubro de 2011, página 6, concluiu que "a Venezuela está muito doente" e o sintoma disso é a violência. Na verdade, não só a Venezuela: toda América Latina está doente, incluindo o Brasil, que nas últimas décadas jamais deixou de viver uma situação de violência epidêmica (mais de 10 assassinatos por 100 mil habitantes, de acordo com critério da ONU).

A Venezuela tem 48 homicídios para cada 100 mil habitantes, contra 26 no Brasil. Ambas as taxas retratam situações epidêmicas.

Relatório de 2010 do Banco Mundial indica o número de homicídios por 100.000 habitantes na América Latina e no Caribe (números de 2006): El Salvador – 58; Venezuela: 49; Jamaica: 49; Guatemala: 45; Honduras: 43; Colômbia: 37; Brasil: 26; Equador: 18; República Dominicana: 16; Nicarágua: 14; Paraguai: 12; Haiti: 12; Panamá: 11; México: 11; Costa Rica: 8; Peru: 6; Argentina: 5; Bolívia: 5; Uruguai: 4; Chile: 2.     

Desde que Chavez subiu ao poder 136 mil pessoas foram assassinadas na Venezuela. No Brasil, nos últimos 11 anos, nos governos FHC e Lula, 511 mil pessoas foram assassinadas. São 50 mil homicídios intencionais por ano no nosso país. Neste ano (2011) já foram mortas 17.600 pessoas na Venezuela. No Brasil já passamos de 35 mil. 90% dos delitos ficam impunes na Venezuela. No Brasil, somente 8% dos crimes de homicídio são apurados.

Como se vê, seja no regime bolivariano chavista (governo de esquerda), seja no regime neoliberal brasileiro (governo de centro ou centro-direita), a América Latina vive dias dramáticos de muita dor, violência e sofrimento.

O que existe em comum em toda a nossa região: a desigualdade, maior do Planeta, que gera capitais culturais e socioeconômicos diferenciados. Do ponto de vista econômico a América Latina está se saindo bem, mas socialmente é um desastre. Enquanto não enfrentarmos as causas profundas dos nossos graves problemas não vamos nunca sair do lamaçal de violência epidêmica que sangra abundantemente nossa convivência social. O mal da América Latina está na raiz do seu nascimento (discriminatório, racista, etnicista, segregacionista).


18/10/2011 - 14:35 | Antonio Lassance | Brasília

A globalização da revolta

O que há de comum entre as mobilizações da Tunísia, Egito, Iêmen e Síria, com as do Reino Unido, Itália e Chile; Portugal e Grécia; as da Espanha com as dos Estados Unidos?

Muita coisa, mas vamos com calma. A lista de diferenças é ainda maior. Mesmo na Primavera Árabe, a Revolução Jasmim, da Tunísia, e a Revolução de Lótus, do Egito, floresceram em um mesmo terreno, mas são espécimes diversos.

Respeitadas essas diferenças, o que há de semelhante pode e deve ser considerado global. Há questões econômicas, sociais, políticas e culturais comuns.

A mais evidente é a indignação contra as desigualdades econômicas e sociais e a dominação política que as mantém e as faz aumentar. O slogan novaiorquino "somos os 99%" estampou a sensação de que a maioria vive no mundo da carência por se deixar dominar politicamente pelo 1% que vive no mundo da opulência. A mesma ideia ganhou diferentes expressões em todo os cantos. É um sentimento global compartilhado.

A crise internacional é um fator comum. Ela tem gerado a revolta contra o mundo das finanças, que mandou as pessoas desocuparem suas casas hipotecadas, nos Estados Unidos, que demitiu servidores públicos na Grécia, que desempregou em massa na Espanha. A inflação mundial, com tendência de crescimento, tem como uma de suas vertentes o encarecimento dos alimentos, que afeta mais diretamente a população pobre. Este foi um problema de fundo na Tunísia, no Egito e no Oriente Médio. A estagnação econômica elevou o desemprego e todos se perguntam por que os governos ajudam os bancos, mas não ajudam as pessoas em pior situação.

A maneira como os manifestantes foram tratados também tem traços em comum. Primeiro eles foram tidos por vozes isoladas; depois, provocadores, baderneiros, criadores de confusão. O governo sírio chamou os revoltosos de gangues. As autoridades britânicas também. O Partido Conservador cogitou criar um esquadrão especial antiprotestos e restringir o uso da internet, o que, convenhamos, são propostas para ditador algum botar defeito.

O ativista Kevin Young, da Organização por uma Sociedade Livre, dos EUA, uma das organizadoras da marcha "Ocuppy Wall Street", relembrou o ensinamento de antigos militantes, segundo os quais "primeiro, eles ignoram você. Depois, eles riem de você. Em seguida, eles atacam você, e então você os vence".

Há uma revolta global contra a esclerose das referências políticas tradicionais. Isso vale para a Tunísia, o Egito, a Líbia, o Iêmen, mas também para a Europa, os Estados Unidos e o Chile. No caso das ditaduras, a esclerose estava associada à figura dos próprios ditadores. Ocorre o mesmo com Berlusconi, na Itália. Nos demais países, a esclerose é dos partidos, que não se renovam ou não empunham projetos alternativos, menos capazes ainda de encampar a defesa da igualdade.

As manifestações tiveram referências espontâneas, mas contaram com o apoio e o ativismo de várias organizações, algumas mais, outras menos consolidadas, mas todas essenciais para que a indignação tomasse as ruas. O desafio é justamente conseguir canalizar a energia de sua espontaneidade para referências políticas capazes de montar coalizões governantes e disputar projetos de poder em seus países.

Há mudanças demográficas globais em curso afetando principalmente jovens, mulheres e idosos. Surgiram novas formas de expressão cultural e novos hábitos de consumo de informação. Há uma revolta contra a velha mídia por conta da deturpação ou omissão de informações, do sarcasmo contra os pobres e da celebrização dos opressores.

As marchas desmentiram aqueles que por aí diziam que havia acabado a época das grandes mobilizações populares, e que as novas maneiras de protestar eram cada vez mais individuais e virtuais. A comunicação eletrônica, ou autocomunicação de massa (como diz Manuel Castells), deu fôlego às manifestações, facilitou a mobilização, protegeu ativistas, disseminou a revolta.

O feitiço virou-se contra o feiticeiro, e a tão propalada globalização agora ganha a forma de protesto, com cores muito diferentes, mas com um leve toque de jasmim.

*Antonio Lassance é pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e professor de Ciência Política. As opiniões expressas neste artigo não refletem necessariamente opiniões do Instituto.

*Artigo originalmente publicado na Carta Maior

CULTURA JURÍDICA

Direito penal do inimigo é solução simples e afronta princípio da dignidade

Sempre que um crime mais grave ganha as páginas dos jornais e horas nos mais variados programas de televisão surge o sentimento de impunidade e a discussão sobre as leis penais e a adequada punição do criminoso. Ressurge também a discussão sobre a pena de morte, a alteração da maioridade penal e o endurecimento das penas, e outros debates fervorosos. 

Para os estudiosos do direito penal, essas discussões nos mostram uma adoção "subliminar" do chamado direito penal do inimigo, pois o criminoso acaba sendo visto como um inimigo do Estado. E é para esses momentos que a obra em questão é indicada, pois nos mostra que a teoria do direito penal do inimigo, por mais simples e às vezes adequada que pareça, é uma clara afronta ao princípio da dignidade da pessoa humana e ao Estado Democrático de Direito. 

O livro Defesa Social e Direito Penal do Inimigo, de Bruno de Morais Ribeiro, nos dois primeiros capítulos, traça  um paralelo entre o Cientificismo, o Positivismo e o movimento de Defesa Social, analisando as idéias de Lombroso, Ferri, Garofalo entre outros   e abordando o sistema penal de Dorado Montero, jurista e criminalista espanhol que considerava o Direito Penal como um instrumento de controle social das classes hegemônicas e poderosas para controlar os criminosos.

Na sequência, aborda e critica a influência da doutrina da defesa social e da ideologia do tratamento. Neste capítulo, o autor nos leva até a Alemanha de 1933 e analisa a "Lei do Delinquente Habitual", "emblemático exemplo dos efeitos produzidos pelo modelo da ideologia do tratamento". A referida lei adotava, entre outras medidas, a castração como medida de segurança e meio terapêutico para impedir crimes posteriores. 

Bastante interessante este capítulo, que nos dá uma clara noção da influência do Direito Penal alemão da época nas legislações de outros países, como a União Soviética e a Espanha. Segundo o autor, a influência da doutrina da defesa social e sua ideologia do tratamento perdurou por quase todo o século XX. Em conjunto com esta análise, o autor faz uma abordagem acerca do surgimento da medida de segurança como sanção.

Por fim, o autor analisa a doutrina do direito penal do inimigo, discurso adotado por Günter Jakobs no final do século XX e fundamentado no pensamento político de Hobbes, "que foi um dos maiores teóricos do Estado absoluto". Neste capítulo, o autor aborda a teoria em questão de forma bastante clara e precisa, tecendo pertinentes críticas.

Enfim, por mais que ressurja tal discussão quando nos deparamos com crimes e/ou criminosos violentos, esta excelente obra nos mostra que o Direito Penal do inimigo é uma clara afronta ao atual Estado Democrático de Direito.

Sugestão de leitura:

Defesa Social e Direito Penal do Inimigo
Autor: Bruno de Morais Ribeiro
Editora: Lumen Juris

* Ana Paula Pétta é professora e advogada especialista em Direito e Processo Penal pelo Mackenzie e mestranda em Direitos Difusos e Coletivos pela Unimes. Atualmente, leciona na Uninove as disciplinas de Processo Penal, Direito Penal e Prática Jurídica.


vejam nos links:

http://www.jusmilitaris.com.br/uploads/revista_edicoes/revista_03.pdf

http://s.conjur.com.br/dl/0014385-3420084036181.pdf



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