sábado, 27 de agosto de 2011

ÚLTIMAS DO LFG

Agradecimentos ao professor João Tomas Luchsinger
via grupo "Processo Penal I 2010_1 UFAM" dos Grupos do Google.

DOLO OU CULPA

STJ mantém decisão que leva motorista a Júri popular por acidente fatal

A 5ª Turma do STJ (Superior Tribunal de Justiça) manteve a pronúncia de um motorista supostamente embriagado que dirigiu em alta velocidade e se envolveu em acidente um fatal.  Para os ministros, cabe ao Júri deve avaliar se houve culpa consciente ou dolo eventual.

Para o relator, ministro Jorge Mussi, essa complexidade não seria possível de ser resolvida pelo STJ em habeas corpus. Ele afirmou que o julgamento da ocorrência de dolo eventual ou culpa consciente deve ficar a cargo do júri, que é constitucionalmente competente para julgar os crimes dolosos contra a vida.

Segundo a defesa, o motorista teria colidido com o veículo da vítima somente depois que um terceiro carro o atingiu na traseira, e sendo assim as provas não demonstrariam a ocorrência de dolo eventual. No habeas corpus a defesa sustentou que o fato de o motorista estar embriagado no momento do acidente não poderia afastar a análise de sua conduta e culpa e do nexo de causalidade entre os fatos, sob pena de ocorrer responsabilização objetiva.

Segundo o TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo), apesar de as testemunhas que se encontravam no veículo do réu terem apoiado a tese da defesa, as demais divergiram. Sendo assim, o TJ-SP pronunciou o réu.

O ministro Jorge Mussi concordou com o TJ-SP. Segundo seu voto, a pronúncia enquadrou o caso em dolo eventual, com submissão ao Tribunal do Júri, em razão do suposto estado de embriaguez e do excesso de velocidade, o que está de acordo com a jurisprudência do STJ.

Na avaliação do relator, seria necessário analisar profundamente as provas para diferenciar o dolo eventual apontado pelo TJ-SP da culpa consciente sustentada pela defesa. O STJ não reexamina provas.

A diferença entre os dois institutos foi explicada pelo ministro com citação do doutrinador Guilherme Nucci: "Trata-se de distinção teoricamente plausível, embora, na prática, seja muito complexa e difícil. Em ambas as situações o agente tem a previsão do resultado que sua conduta pode causar, embora na culpa consciente não o admita como possível e, no dolo eventual, admita a possibilidade de se concretizar, sendo-lhe indiferente." A decisão foi unânime.

Número do processo: HC 199.100

Tribunal do Júri: culpa ou dolo eventual

Luiz Flávio Gomes e Áurea Maria Ferraz de Sousa - 23/08/2011 - 10h17

É da competência do Tribunal do Júri a conclusão se o fato se deu mediante culpa consciente ou dolo eventual. Este foi o posicionamento que fundamentou a negativa do pedido de habeas corpus 199.100-SP, julgado no dia 04 de agosto de 2011, pela 5ª Turma do STJ (Superior Tribunal de Justiça), sob a relatoria do ministro Jorge Mussi.

De acordo com a conclusão do Tribunal da Cidadania, a competência que a Constituição Federal atribuiu ao Tribunal do Júri garante que a avaliação aprofundada das provas seja feita em plenário. Por esta razão, a conclusão de que se houve por parte do acusado culpa consciente ou dolo eventual há de ser feita pelo Júri.

O paciente do writ foi pronunciado por ter causado a morte da vítima porque, supostamente, estando embriagado, dirigia em alta velocidade tendo se envolvido em acidente fatal.

Como se sabe, a pronúncia é a decisão que leva o acusado a julgamento perante o Júri, tendo o juiz se convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação (art. 413, CPP). E para que o fato seja julgado pelo Tribunal do Júri é necessário que o crime seja doloso contra a vida (art. 5º, inc. XXXVIII, CF/88).

No caso em apreço, a defesa alegava que o fato não foi cometido dolosamente, mas mediante culpa. 

Aí está a razão em se falar em culpa (talvez consciente) ou dolo eventual na hipótese: o motorista que conduz seu veículo em alta velocidade e embriagado prevê e aceita o resultado matar alguém? Ou ele sequer previu o resultado?

Vulgarmente diz-se que a distinção entre a culpa consciente e o dolo eventual está nas expressões: "danou-se" e "que se lixe", respectivamente. Na prática, no entanto, a questão não é de simples conclusão, principalmente quando se trata de prova: como provar qual o verdadeiro estado anímico do condutor?

Por esta razão é que acertado foi o posicionamento do STJ, acompanhando o TJ-SP, no sentido de que a valoração ampla das provas há de ser feita pelo Júri, ainda que com isso o parquet tenha que imputar o dolo eventual.

Quando, de forma inequívoca, não há como vislumbrar qualquer indício de dolo eventual, será o caso de se retirar a competência do Tribunal do Júri, desde logo.

Princípio da intervenção mínima

Luiz Flávio Gomes e Áurea Maria Ferraz de Sousa - 16/08/2011 - 10h29

Aplicando o princípio da subsidiariedade, a 6ª Turma do STJ (Superior Tribunal de Justiça) concedeu habeas corpus ao paciente denunciado por furto de água. Trata-se do julgamento proferido no habeas corpus 197.601-RJ, julgado em 28 de junho de 2011, relatado pela ministra Maria Thereza de Assis Moura.

O paciente foi denunciado porque se apurou suposta subtração de água em seu imóvel por ligação direta com a concessionária do serviço público. À época, embora ele não morasse no imóvel, pagou o débito, mas ainda assim a Justiça recebeu a ação movida pelo Ministério Público.

Para o Tribunal da Cidadania, no entanto, aplica-se ao caso o princípio da subsidiariedade do Direito penal. Para a Min. relatora "tendo-se apurado, em verdade, apenas um ilícito de colorido meramente contratual, relativamente à distribuição da água, com o equacionamento da quaestio no plano civil, não se justifica a persecução penal".

Dentre os princípios que se relacionam com a missão do Direito penal, encontra-se o princípio da intervenção mínima de acordo com o qual o Direito penal é subsidiário e fragmentário. 

Estas duas características se distinguem basicamente porque a subsidiariedade norteia a intervenção mínima do Direito penal em abstrato (no momento da criminalização primária), enquanto que a fragmentariedade norteia a intervenção mínima no caso concreto.

O princípio da subsidiariedade do Direito penal indica que este ramo é a ultima ratio do Direito e norteia a criação dos tipos penais.

Neste sentido, ousamos dizer que o princípio apontado como fundamento para esta decisão é equivocado, tecnicamente aplica-se ao caso o princípio da fragementariedade do Direito penal. O importante, no entanto, foi a solução prática do julgado: trancar a ação penal que, desarrazoadamente, pretendia condenar um fato que já foi solucionado na seara cível.

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Medidas Cautelares Diversas da Prisão e Crime Hediondo


Agradecimentos ao colega Fernando Mestrinho!!!

in verbis:


"Mestre,

Acredito que esta seja a primeira decisão após a Lei 12.403/2011 sobre o tema:"

"Por votação unânime, a Segunda Turma concedeu, no dia 23.08.11, com restrições, a ordem de soltura a A.F.B., presa há mais de nove meses por ordem do juiz da 4ª Vara Criminal de Campo Grande (MS), sob acusação de tráfico de entorpecentes e associação para o tráfico (artigos 33 e 35 da Lei 11.343/2006)." (STF, HC 108.990).
"A ordem de soltura de A.F.B. foi concedida com cláusulas a serem observadas, nos termos do artigo 319 do Código de Processo Penal (CPP), na redação que lhe foi dada pela Lei 12.403/2011. Tal dispositivo permite que o juiz da causa defina outras medidas cautelares a serem observadas, que não a restritiva de liberdade. Entre elas está a de atender a todas as convocações da Justiça. Caberá, portanto, ao juiz de primeiro grau fixar tais condições."




NOTICIAS SOBRE A GREVE DOS PROFESSORES na UFAM


Pessoal, o comando de greve da ANDES, acatou a proposta do governo federal, negociada ontem quarta-feira 25/08/11, a qual fechou com a classe, o reajuste de 4% sobre o vencimento basico dos professores e a incorporação de 2 gratificações. Isto, é claro, causou mais mais indignação do que assentimento por parte dos professores que se faziam presente na assembleia de hj... apesar disso, a UNIVERSIDADE CONTINUA COM INDICATIVO DE GREVE, pois a proposta do governo ainda vai para o congresso onde será votada. Mesmo depois da votação o indicativo vai continuar até que o Governo sente com a Classe para discutir o Plano de Carreira dos professores, e isso , acredito será mais difícil. PORTANTO, A GREVE CONTINUA IMINENTE.

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

novidades - úri decide sobre culpa consciente ou dolo eventual de motorista envolvido em acidente




DECISÃO
Júri decide sobre culpa consciente ou dolo eventual de motorista envolvido em acidente
A competência constitucional reserva ao Tribunal do Júri a avaliação aprofundada das provas quanto à configuração da conduta do réu como culpa consciente ou dolo eventual. Com esse entendimento, a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve a pronúncia de motorista supostamente embriagado que teria dirigido em alta velocidade e se envolvido em acidente fatal.

Segundo a defesa do motorista, as provas não demonstrariam a ocorrência de dolo eventual, já que o pronunciado somente teria colidido com o veículo da vítima depois que um terceiro carro o atingiu na traseira. A impetração sustentou que o fato de estar embriagado no momento do acidente não poderia afastar a análise de sua conduta e culpa e do nexo de causalidade entre os fatos, sob pena de ocorrer responsabilização objetiva.

Para o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), nessa fase do processo prevaleceria o princípio in dubio pro societate, já que a pronúncia faz apenas um juízo de admissibilidade da acusação. A valoração ampla das provas, afirmou o tribunal, seria feita pelo júri.

Ainda segundo o TJSP, apesar de as testemunhas que se encontravam no veículo do réu apoiarem a tese da defesa, as demais – duas do terceiro veículo, uma acompanhante da vítima falecida, a delegada de polícia e um policial militar – divergiam.

O ministro Jorge Mussi concordou com o TJSP. Segundo seu voto, a pronúncia enquadrou o caso em dolo eventual, com submissão ao Tribunal do Júri, em razão do suposto estado de embriaguez e do excesso de velocidade, o que está de acordo com a jurisprudência do STJ.

Na avaliação do relator, seria necessário analisar profundamente as provas para diferenciar o dolo eventual apontado pelo TJSP da culpa consciente sustentada pela defesa. A diferença entre os dois institutos foi explicada pelo ministro com citação do doutrinador Guilherme Nucci: "Trata-se de distinção teoricamente plausível, embora, na prática, seja muito complexa e difícil. Em ambas as situações o agente tem a previsão do resultado que sua conduta pode causar, embora na culpa consciente não o admita como possível e, no dolo eventual, admita a possibilidade de se concretizar, sendo-lhe indiferente."

Para o relator, essa complexidade não seria possível de ser resolvida pelo STJ em habeas corpus. Ele acrescentou que, de acordo com o princípio do juiz natural, o julgamento da ocorrência de dolo eventual ou culpa consciente deve ficar a cargo do júri, que é constitucionalmente competente para julgar os crimes dolosos contra a vida. A decisão foi unânime.

Coordenadoria de Editoria e Imprensa STJ

Dolo eventual e culpa consciente em acidente de trânsito

Por Pierpaolo Cruz Bottini

A distinção entre culpa consciente e dolo eventual tem ocupado não apenas as pautas acadêmicas, mas também o noticiário nacional. Trágicos acidentes de trânsito decorrentes de graves violações das normas de cuidado, com vítimas fatais, trazem a discussão sobre a natureza dos delitos dos motoristas: homicídio doloso ou culposo? Dolo eventual ou culpa consciente? A competência para o julgamento é do juiz singular (culpa consciente) ou do Tribunal do Júri (dolo eventual)?

A resposta a tais questões exige um retorno à dogmática e aos conceitos desenvolvidos pelas escolas e juristas em busca de definições que orientem o intérprete das normas penais.

O ato típico do delito é composto por aspectos objetivos — conduta descrita na norma penal — e subjetivos. Neste ultimo plano verifica-se se o resultado — ou a periculosidade — é fruto da vontade final (dolosos) do agente, do agir imprudente (culposos), ou está ligado àquela zona de consciência cinzenta que caracteriza o dolo eventual e a culpa consciente.

E aqui surgem os problemas, justamente nesta fronteira imprecisa entre o dolo eventual e a culpa consciente, conceitos de difícil definição diante da complexidade de "reproduzir linguisticamente de maneira adequada um fenômeno psicologicamente sutil" [1]. Mas a identificação de critérios que revelem os contornos de tal sutileza é importante porque existem reflexos práticos fundamentais ligados à natureza de cada instituto, como a definição do tipo penal — com grandes diferenças de pena em abstrato — e da competência para o julgamento.

As teorias que buscam diferenciar dolo eventual da culpa consciente são variadas, mas podemos destacar três: a teoria da indiferença, a teoria da representação e a teoria objetiva do risco.

Para a teoria da indiferença — defendida por Engish e parte dos autores brasileiros — o dolo eventual se caracteriza pela indiferença do autor quanto à lesão ao bem jurídico, enquanto que na culpa consciente a causação do resultado é considerada inaceitável pelo agente. Assim, o condutor de um veículo agirá com dolo eventual se constatada sua indiferença quanto ao resultado morte de qualquer pedestre ou motorista.

Critica-se tal teoria pelo reducionismo do dolo eventual. Em muitos casos, o agente tem o efetivo desejo que o resultado lesivo não ocorra, que a causação da morte ou lesão não aconteçam, mas prevê tal possibilidade e continua com seu comportamento. É o caso do motorista que viola as normas de trânsito, percebe a possibilidade de atropelar alguém, mas deseja sinceramente que nada ocorra, que ninguém entre em seu raio de ação e se machuque. Não há indiferença, no entanto existe dolo eventual porque há aceitação do risco.

Outra teoria é a da representação — Schröder e Schmidhäuser — para a qual o dolo eventual é caracterizado pela percepção do risco pelo agente. Assim, se o condutor do veículo percebe — ao ultrapassar os limites de velocidade — que cria um risco e é possível a eventual lesão ou morte de alguém em decorrência daquele comportamento, haverá dolo eventual, independente de sua vontade em relação a tal resultado — seja indiferença, seja certeza de que nada ocorrerá. A mera representação da possibilidade de uma lesão já basta para o dolo eventual.

A crítica à teoria decorre aqui de sua abrangência, pois estende demais o conceito de dolo eventual. Basta a percepção da criação do risco para o dolo eventual, mesmo que o condutor tenha certeza de que nada vai acontecer devido à sua habilidade ou ao fato de ter tomado cuidados para evitar o resultado lesivo. Roxin usa um exemplo singular para ilustrar a questão. O artista de circo que atira facas em sua assistente sabe da possibilidade de acertá-la, mas confia na não ocorrência do resultado devido à sua perícia no manejo dos instrumentos. Se, por uma tragédia, uma das facas lesiona ou mata a assistente, não há dolo eventual, mas culpa consciente, porque ausente qualquer aceitação ou vontade de resultado, mas apenas uma representação de possibilidade, insuficiente para transformar a tragédia ou a imprudência em dolo[2].

A teoria do risco vê no grau de violação da norma de cuidado o critério para a distinção entre culpa consciente e dolo eventual. Para este pensamento, o comportamento muito imprudente, que ultrapasse intensamente o risco permitido, já revela dolo eventual, independente do que quer ou pensa o autor. É a construção adotada por parte significativa da jurisprudência:
"(..) 6. Para configuração do dolo eventual não é necessário o consentimento explícito do agente, nem sua consciência reflexiva em relação às circunstâncias do evento. Faz-se imprescindível que o dolo eventual se extraia das circunstâncias do evento, e não da mente do autor, eis que não se exige uma declaração expressa do agente" (STF, HC 91.159, grifos nossos).

A proposta de afastar completamente a mente do autor, o aspecto subjetivo para diferenciar o dolo eventual da culpa consciente não parece acertada porque transforma em dolosa qualquer conduta que viole normas de cuidado e cause um resultado. Qualquer imprudência que resulte na lesão ou morte de alguém será dolosa se o juiz não perscrutar a mente do autor.

Em síntese, a diferença entre culpa consciente e dolo eventual não reside no grau de risco criado, nem apenas no conhecimento dos riscos nem na indiferença em relação aos bens jurídicos, mas na agregação de todos os elementos apontados.

Tanto no dolo eventual quanto na culpa consciente o agente deve criar um risco não permitido e perceber que cria este risco. Em ambos o condutor sabe que viola normas de cuidado. Mais do que isso, em ambos o agente não quer o resultado, não deseja a lesão do bem jurídico. Ou seja, não há indiferença em relação à possibilidade de causar um resultado, mas uma sincera vontade de preservar o bem jurídico.

A distinção é: na culpa consciente o agente — por algum motivo — tem certeza que não ocorrerá o resultado, enquanto que no dolo eventual o autor tem dúvidas sobre isso e mesmo assim continua agindo. Assim, o condutor que percebe que está em alta velocidade, mas acredita que, devido à sua habilidade e perícia ao volante, evitará qualquer colisão, está em culpa consciente. Já o motorista que sabe que anda acima da velocidade permitida e representa/percebe a possibilidade de causar um acidente, tem dolo eventual, mesmo que deseje ou tenha esperança de não lesionar outrem.

O espaço entre confiar e desejar separa o dolo eventual da culpa consciente. Não se nega a dificuldade de encontrar tais elementos no processo penal, mas se quisermos manter um conceito de delito relacionado com a intenção do agente e uma ideia de Direito Penal como um conjunto de normas motivadoras e não um instrumento de imputação aleatória de resultados, não devemos abrir mão dos aspectos subjetivos, que embora sutis e de difícil revelação, são a garantia de uma dogmática mais humana[3].


[1] Derecho penal. Parte general. 2. ed. Madrid: Civitas, 1997, p.427

[2] Derecho penal. Parte general. 2. ed. Madrid: Civitas, 1997, p.420

[3] Para uma panorâmica geral sobre a discussão atual entre dolo eventual e culpa consciente, ver CANESTRARI, Stefano, Dolo eventual e colpa consciente. Giuffré: Milano, 1999

Pierpaolo Cruz Bottini é advogado e professor de Direito Penal na USP. Foi membro do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária e secretário de Reforma do Judiciário, ambos do Ministério da Justiça.

http://www.conjur.com.br/2011-ago-09/direito-defesa-dolo-eventual-culpa-consciente-acidente-transito

sem ingenuidade

Gozo do ódio é alternativa ao controle social

Por Rodrigo Bueno Gusso

"O coração humano, tal como a civilização moderna o modelou, está mais inclinado para o ódio do que para a fraternidade". (Bertrand Russel)

A compreensão da organização humana em grupos sociais, de uma forma ou outra, pode ser desenhada entre certa relação de ordem ou de desordem ou harmonia e conflito[1]. Como se fosse fácil delimitar tamanha experiência social em uma definição precisa desses conceitos. Tal conceituação suscita pelo menos algumas importantes inquietações e questionamentos, como a definição de ordem social, sob qual ponto de vista, sob quem, sob que regime de dominação, sob que aspecto de poder e, por aí vai.

Em um mundo mais que complexo e heterônomo, marcado pela dinamicidade e pela volatilidade das relações sociais, um conceito de ordem ou desordem também são submetidos à uma experiência de liquidez, de nebulosidade. As fronteiras entre uma sociologia da ordem ou do conflito se aproximam e se esvaem com tanta rapidez que nos condenam a certa sensação de estranhamento frente às questões cotidianas. As certezas de um mundo de ordem, do contrato social rosseauniano, são substituídas pela volatilidade da incerteza. Uma incerteza que marca até mesmo as relações do Estado (na forma de políticas públicas de governo) e do Direito.  Mas não nos enganemos sobre a incerteza. Sua intromissão perante o mundo do contrato, do certo e do harmônico, não significa uma extinção das dinâmicas de controle social. Antes, significa sua reelaboração. Uma reelaboração que tem nas interpretações das expressões "harmonia social" e "sociedade fraterna" (ambas citadas no preâmbulo constitucional brasileiro) o seu fundamento.

 

 

A harmonia social está assentada em uma compreensão de sociedade pautada na organização de poderes em um Estado capaz de, mediante a ordem geral e a coibição e reprimenda dos atos individuais, promover o bem estar social. Vale lembrar que o artigo 3º da Constituição Federal brasileira traz a promoção do "bem de todos" e "a construção de uma sociedade solidária", dois dos objetivos fundamentais da nossa República. Tal expressão é o que legitimaria as formas de controle, criminalização e repúdio das mais diversas formas de importunações contra essa "ordem social".  A reprovação da violência e da criminalidade são os exemplos mais factíveis. Ou seja, no campo do respeito ao bem comum, combatemos aquilo que Durkheim chamou de "anomia", nada mais do que a desintegração individual e social que levaria o indivíduo (e sociedade) à sua própria destruição. 

Mas não só. Há outras manifestações que encontram sua impossibilidade na justificativa do discurso da "harmonia social": os movimentos sociais e suas ambições, os tabus quanto ao pagamento de impostos na crença de que sejam revertidos salutarmente à população, a própria desobediência civil, são atos sociais que encontram na proibição da desordem o seu interdito. Tudo isso sob o apaixonado discurso da fraternidade e solidariedade (como a bem lembrada cantiga da manutenção de que o interesse geral deve prevalecer ao interesse individual). Em outras palavras: coibimos aquilo que uma vez intitulamos como desordem, pois ela pode vir a ser uma ameaça ao nosso grupo social; criamos mecanismos de controle para impedir (prevenir) e coibir (reprimir) possíveis ameaças ao bem estar social; e por último, elegemos uma política social pautada na solidariedade e na compreensão fraterna e amorosa como um dever-ser weberiano a ser seguido (e cobrado) por todos. Assim, não bastaria apenas uma suposta omissão do indivíduo frente ao grupo a que pertence, mas também a necessidade de que esse indivíduo promova um bem estar pautado na paixão recíproca.

Tal discurso da "harmonia" se transforma mediante a liquidez do amor fraterno como condição de possibilidade das relações sociais. Um amor herdado dos discursos religiosos como uma racionalidade imperativa na explicação da ordem social. Uma explicação que permeia uma série de políticas públicas assentadas no ideal de uma justiça social purificada (e de programas sociais que promovem o amor pelo próximo) ou de um Estado de Bem Estar. Discurso simples, apaixonado e por vezes beirando o campo da perfeição retórica, uma vez que temos a solidariedade, o amor, o fraternalismo, e a proliferação da paz como palavras de ordem. Mais ou menos nos moldes das alocuções religiosas, onde o amor é sim a palavra e o discurso a ser desenvolvido. Tal  preleção opera-se muito bem no campo do passionalismo, mais ainda na religiosidade comum, uma vez que a racionalidade não é necessária. Eu posso amar, mas o entendimento desse amor independe de sua racionalização. Isso é o que por muito tempo propomos e ficamos a espera de seus resultados. Isso é o que inspirou todo o nosso discurso social e jurídico.

Mas será que este discurso do amor conduziu à desejada expressão da harmonia social?

A cada dia se torna mais difícil vislumbrar uma sociedade "melhor" pautada nessa fala, até porque o tempo em sua espera prescreveu. Tornou-se difícil acreditar que a nossa sociedade tenha progredido ética e moralmente seguindo esses preceitos. Tentamos por muito tempo sobreviver em face de um discurso apaixonadamente harmonioso, na crença ilusória de que todo ser humano possui algo de bom, e que esse algo deve ser transmitido ao próximo. Não há mais espaço para isso! Não funcionou, erramos. Então, de que forma dar-se-ia um novo entender? Uma nova expectativa de "melhoramento social" pautado em um senso comum que possa vir a acontecer.  Difícil resposta. Ainda mais estarmos operando  no trauma do reconhecimento e no entender daquilo que foi chamado por João José Leal de  "a sociedade desajustada em que vivemos".

O médico psicanalista belga Jean Pierre Lebrun propõe um novo olhar sobre o controle social baseado na limitação e domínio do ódio. Lebrun retoma os ensinamentos freudianos de que o ódio seria mais originário que o amor. E assim, desse ódio presente "em nossa vida cotidiana, em nossas cóleras, em nossa violência, em nossa agressividade", efetivado por meio da fala, poderíamos pensar em não mais invocar o discurso da provocação do amor, mas o do controle do ódio.

O ódio como gênero de toda uma gama de imperfeições humanas. O ódio como gênero das espécies, raiva, medo, desrespeito, descontrole, ira,  inveja, etc.  Tudo isso direcionado ao outro, pois no mesmo entendimento "o ódio emerge cada vez que não reconhecemos que o outro é somente outro com nós"[2]. Lebrun afirma que devemos antes de tudo introduzir a diferença do ódio e daquilo que se chama gozo do ódio. Esse último endereçado numa instância final resultante em "assassinato e  violência", uma vez que a necessidade de renunciá-lo falhou. Assim, "de tudo isso, posso entender porque meu ódio é inextinguível, que não há nenhuma razão para pensar que eu possa me desembaraçar dele, fazê-lo desaparecer, dado que ele é um processo inerente à condição humana; mas o que, em contrapartida, deve bem se limpar com esponja, ou mesmo drenar-se, é o gozo do ódio. O gozo do ódio é precisamente o fato de deixar o ódio realizar-se, cumprir-se como se esquecêssemos que ele é apenas a resposta ao fato de que não colocamos mais a mão sobre o que a língua já nos subtraiu".

 

[3]

Talvez seja essa uma nova possibilidade. Uma releitura social não mais pautada na exegese religiosa que por muitas vezes esbarrou no racionalismo. Não há mais como exigir do outro para que este promova um habitus pautado no amor e na solidariedade, mas na obrigação de conter-se mediante uma futura reprimenda. Ou seja, para que o indivíduo venha a conter o seu ódio, suas frustrações e seu vazio. Segundo Lebrun, é necessário então o controle do "gozo do ódio".

 

 

Tanto quanto o amor, o ódio também é intrínseco ao ser humano. Fundamentado no egoísmo originário, em que todos os atos humanos surgem, pelo menos de uma significativa parte, de um egoísmo. Não há nenhum ato que não possa ser constituído mediante uma satisfação pessoal, mesmo os mais solidários. Isso não significa que a solidariedade, o bem fazer ao próximo, se extinguiram nas relações humanas, mas a honestidade de reconsiderar o lugar da satisfação pessoal pelos atos praticados. Um lugar as vezes pequeno, mas tão intenso que pode exteriorizar-se de forma violenta ou criminosa mediante a falta de contenção da explicitação do gozo do ódio.  

O discurso do ódio encontra o campo propício de atuação em espaços sociais desencontrados, questionados e confusos. Em que as dicotomias daquilo que conceituamos como certo ou errado, justo ou injusto, bom ou mal, ordem ou desordem, se confundem pela dinamicidade das representações sociais que fazemos no dia a dia. Um lugar onde tudo é mutável, onde aquilo que é velho, bem como seus significados, perde-se no tempo.  Não há mais espaço para o antigo, para o durável. As coisas, e as (velhas) idéias tornaram-se descartáveis, assim como as relações humanas. É esse o conceito de liquidez de Zygmunt Bauman, ou seja, a necessidade de se adequar à fluidez da vida moderna, sob a penitência de poder vir a se tornar algo dispensável.

Se pensarmos no campo das instituições sociais, principalmente as públicas que exercem alguma forma de controle, tal fundamento não é exceção. Pois nós (homens-estado) somos constantemente forçados ou convidados a abandonar o velho para abraçar irrefletidamente o novo. Ou seja, descartamos o discurso original que legitima a existência dessas instituições, e com ele não mais nos envergonhamos em adotar novas categorias de atuação. Vejam por exemplo a energia despendida nas instituições que procuram promover (pelo menos oficialmente) a pacificação social. Falo então de todos os órgãos que compõem o sistema penal. A interferência política, a perpetuação de poder dos grupos minoritários através da impunidade, o litígio pela destinação de recursos públicos, a ferocidade da busca do totalitarismo das atribuições, o duelo pela publicização de seus atos através da mídia  como forma de reconhecimento social, e até a vaidade de seus uniformes e símbolos passaram a ser o único objetivo da existência dessas instituições.

Os aparelhos de justiça social, e consequentemente seus órgãos, há muito tempo abandonaram os legítimos interesses sociais objetivados à paz social, ao  controle da criminalidade e ao mais caloroso discurso lúdico: "a realização da Justiça", tudo foi para a mais longínqua terra do esquecimento. Promessas não cumpridas. Então, resta perguntarmos: - Haveria nesse discurso ainda algum espaço para o amor? Para a solidariedade como forma de organização social? Achamos que não! Ingenuidade demais.  Talvez daí, Lebrun tenha razão, ao elencar que na eterna aversão do amor e do ódio, seja esse gozo do ódio uma alternativa um pouco mais sincera de repensar o controle social.

 

 

Bibliografia:

BAUMAN, Zygmund. Amor Líquido. Sobre a Fragilidade dos laços humanos. Tradução Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. 2004.

BAUMAN, Zygmund. Vida Líquida. Tradução Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. 2007.

DURKHEIM, Émile. O suicídio. Livro II. São Paulo, Martin Claret, 2008.

 

 

LEAL, João José. Penitenciarismo brasileiro, sombra sinistra da sociedade desajustada em que vivemos. Revista dos Tribunais. São Paulo: RT. Ano 83, agosto 1994, vol. 706, p. 437.

LEBRUN, Jean-Pierre. O futuro do ódio / Jean-Pierre Lebrun; organizador Mario Fleig; tradução João Fernando Chapadeiro Corrêa. Porto Alegre: CMC. 2008.

ROUSSEAU, Jean-Jacques. O contrato social. São Paulo: Cultrix, 1993. 


[1] Sobre o debate entre positivismo sociológico e marxismo

[2] LEBRUN, Jean-Pierre. O futuro do ódio. p. 22

[3] IDEM. p. 32.

Rodrigo Bueno Gusso é delegado de Policia Civil de Santa Catarina; especialista em Segurança Pública (PUC-RS); mestre em Direito (UNIVALI-SC); e doutorando em Sociologia (UFPR).

Revista Consultor Jurídico, 13 de agosto de 2011

http://www.conjur.com.br/2011-ago-13/gozo-odio-alternativa-possivel-repensar-controle-social


 

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sexta-feira, 12 de agosto de 2011

nomeação aprovados


Justiça obriga órgãos públicos a nomear aprovados em concurso

Agência Brasil

O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu nesta quarta-feira (10), por unanimidade, que as pessoas aprovadas em concurso público têm o direito de ser nomeadas nas vagas abertas por concurso público (com exceção do cadastro de reserva). A decisão foi sobre um caso específico em Mato Grosso do Sul, mas será aplicada em todo o país, porque o caso tinha o status de repercussão geral.

O estado alegava que o candidato não tem direito certo de ser nomeado, apenas uma expectativa de que isso aconteça. E que isso serve para preservar a autonomia da administração pública para decidir se a nomeação é útil ou não. No entanto, o relator, ministro Gilmar Mendes, considerou que a administração pública está vinculada ao número de vagas previstas no edital.

Mendes considerou que as vagas previstas em edital já pressupõem a existência de cargos e a previsão de lei orçamentária. "Entendo que o dever de boa-fé da administração pública exige o respeito incondicional às regras do edital, inclusive quanto à previsão das vagas no concurso público", disse o ministro, que acrescentou que a única liberdade da administração pública é decidir quando o candidato será nomeado, dentro do prazo de validade do concurso.

Para o relator, apenas situações excepcionais justificam a não nomeação, como fatos importantes e imprevisíveis posteriores à abertura do edital, como crises econômicas, guerras e fenômenos naturais que causem calamidade pública.

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Depois do habeas carrum




Depois do habeas carrum vem o habeas cOABrpus...

Habeas corpus não serve para garantir inscrição na OAB Carlos Humberto/STF

Data: 09.08.11

Um bacharel em Direito não conseguiu, em pedido de habeas corpus apresentado no STF, obter inscrição para que trocasse a carteira de estagiário pela de advogado na OAB do Rio de Janeiro. Mas ganhou uma aula do ministro Celso de Mello, que explicou detalhadamente para que serve um instrumento processual tão importante como o HC.

"O habeas Corpus, em sua condição de instrumento de ativação da jurisdição constitucional das liberdades, configura um poderoso meio de cessação do injusto constrangimento ao estado de liberdade de locomoção física das pessoas. Se essa liberdade não se expõe a qualquer tipo de cerceamento, e se o direito de ir, vir ou permanecer sequer se revela ameaçado, nada justifica o emprego do remédio heroico do habeas corpus, por não estar em causa a liberdade de locomoção física", afirmou o ministro na decisão, ao não conhecer do HC. As informações são do saite Consultor Jurídico, em matéria assinada pela jornalista Marina Ito.

O ministro Celso de Mello afirmou, ainda, que não é possível o uso do HC para invalidar a inscrição de estagiário e substitui-la por uma definitiva como advogado. "Mesmo que fosse admissível, na espécie, o remédio de habeas corpus (e não o é!), ainda assim referida ação constitucional mostrar-se-ia insuscetível de conhecimento, eis que o impetrante sequer indicou a existência de ato concreto que pudesse ofender, de modo direto e imediato, o direito de ir, vir e permanecer do ora paciente", completou a decisão.

Não foi a primeira vez que os ministros do STF se depararam com pedidos inusitados envolvendo o Exame de Ordem. Em 2008, a então ministra Ellen Gracie - ontem (8) aposentada - determinou o arquivamento do pedido de mandado de segurança em que um ex-juiz classista pedia a inscrição na OAB paulista sem ter de se submeter à prova.

Na ocasião, o arquivamento da ação deveu-se ao fato de o MS ter sido apresentado pelo próprio ex-juiz. "Por ser o advogado ator indispensável à administração da justiça, o artigo 36 do Código de Processo Civil impõe à parte o dever de se fazer representar em juízo por meio de advogado legalmente habilitado", afirmou a ministra. O artigo 4º do Estatuto da Advocacia enuncia serem "nulos os atos privativos de advogados praticados por pessoa não inscrita na OAB, sem prejuízo das sanções civis, penais e administrativas".

O ministro Marco Aurélio também já arquivou uma arguição de descumprimento de preceito fundamental apresentada por um bacharel de Direito não inscrito na OAB. O ministro entendeu que houve "duplo defeito formal": o bacharel não tem legitimidade para propor esse tipo de ação e pedidos ao Supremo devem ser feitos apenas por bacharel em Direito inscrito na Ordem.

A exceção da última regra é a apresentação de Habeas Corpus, que permite que o próprio interessado entre com o pedido -  e acontece quando presos enviam cartas ao STF requerendo a liberdade.

No caso analisado pelo ministro Celso de Mello, o bacharel ingressou com o pedido no Supremo, utilizando-se do habeas corpus, instrumento que, como explicou o ministro, é inadequado para o propósito a que foi apresentado.

http://www.espacovital.com.br/noticia_ler.php?id=24834

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quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Importante avanço


De volta às aulas!!!


Importação

Natureza tributária do crime de descaminho é reconhecida pelo STF

O Estadão de hoje, 8, publica matéria sobre acórdão do STF que trancou ação penal contra um empresário acusado de descaminho - importação clandestina de bens - ao reconhecer a natureza tributária desse crime, previsto no artigo 334 do CP (clique aqui).

O matutino fala da tese vitoriosa do advogado Sérgio Rosenthal, para quem o tipo penal do art. 334 do CP é um crime de natureza fiscal.

Rosenthal considera que o precedente é relevante "porque ratifica implicitamente entendimento já adotado pelo STJ no sentido de que o descaminho é um crime fiscal e, consequentemente, não pode ser imputado antes de definido o valor do imposto devido, da mesma forma como ocorre com os demais crimes que envolvem sonegação".

Veja a matéria na íntegra:

Decisão do STF pode livrar do banco dos réus quem fez importações ilegais

Acórdão do STF tranca ação penal contra empresário e abre caminho para milhares de acusados se livrarem do crime de sonegação

O Supremo Tribunal Federal (STF) trancou ação penal contra um empresário acusado de descaminho - importação clandestina de bens - ao reconhecer a natureza tributária desse crime, previsto no artigo 334 do Código Penal.

É consenso entre juristas e advogados que atuam nessa área do Direito que a decisão do STF abre caminho para milhares de pessoas físicas que estão no banco dos réus pela prática de descaminho. Poderão pleitear extinção de punibilidade a partir do pagamento de suas dívidas com o Tesouro.

Foi longa a batalha, que se arrastou por 14 anos e quatro instâncias judiciais, até o acórdão do STF, publicado semana passada. O empresário foi detido por agentes da Delegacia Fazendária da Polícia Federal em setembro de 1997 com 249 peças de equipamentos eletrônicos - filmadoras, aparelhos de áudio e vídeo e televisores - avaliados em US$ 70 mil.

Ele recolheu todos os impostos sonegados e, por meio de sua defesa, requereu o fim da acusação com fundamento no artigo 34 da Lei 9.249/95, dispositivo que determina extinção da punibilidade dos crimes de sonegação fiscal e contra a ordem tributária nos casos em que o contribuinte paga a dívida antes da instalação da ação penal.

Inicialmente, a 7ª Vara Criminal da Justiça Federal em São Paulo, onde foi aberto o processo, negou o pedido do empresário e recebeu a denúncia da Procuradoria da República, que imputou a ele comércio de mercadorias de procedência estrangeira "que sabia ser produto de introdução clandestina no território nacional".

Inconformado, o advogado Sérgio Rosenthal, que defende o empresário, ingressou com habeas corpus perante o Tribunal Regional Federal da 3ª Região.

Uma liminar suspendeu a tramitação, mas em março de 2004 a corte restabeleceu a ação contra o importador.

Rosenthal apelou ao Superior Tribunal de Justiça (STJ). Novamente, ganhou liminar que, depois, também foi revogada. O advogado foi ao STF, em 2005, sustentando a mesma tese, de que o descaminho é um crime de fundo eminentemente fiscal e que há expressa previsão legal para evitar a punição daquele que, acusado por esse tipo de delito, fica livre de punição desde que recolha os tributos aos cofres da União antes da abertura do processo crime.

Ressarcimento. Em sustentação oral no STF, sessão realizada no mês de maio, Sérgio Rosenthal assinalou que o crime de sonegação de contribuição previdenciária está inserido no mesmo capítulo e não há qualquer objeção à aplicação do benefício legal quanto a esse tipo de delito.

Da mesma forma, anotou o advogado, vale a regra da extinção da punibilidade pelo pagamento do tributo ao crime de apropriação indébita previdenciária, que o Código Penal descreve como crime contra o patrimônio.

"Efetivamente, não há razão alguma para permitir que um empresário acusado de apropriação indébita de contribuições previdenciárias de seus funcionários, aguarde o término do processo administrativo, no qual poderá se defender, antes de ser processado criminalmente, e não faze-lo em relação a um empresário suspeito de sonegar impostos devidos pela importação das mercadorias que vende", argumenta Rosenthal.

Na avaliação do criminalista, a decisão do STF "vai permitir o retorno de inúmeros contribuintes à legalidade e ainda propiciar o ressarcimento dos cofres públicos de valores anteriormente sonegados".

Rosenthal considera que o precedente é relevante "porque ratifica implicitamente entendimento já adotado pelo STJ no sentido de que o descaminho é um crime fiscal e, consequentemente, não pode ser imputado antes de definido o valor do imposto devido, da mesma forma como ocorre com os demais crimes que envolvem sonegação".

PARA ENTENDER

Decisão da corte é unânime

No Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Luiz Fux foi categórico. "É nítida a natureza tributária do crime de descaminho, mercê de tutelar o erário e a atividade arrecadatória do Estado". Relator do habeas corpus 85.942 SP, impetrado pela defesa do empresário acusado por importação ilegal, Fux ponderou que na época em que foi efetuado o pagamento dos tributos a causa da extinção da punibilidade prevista no artigo 2º da Lei 4.729 não estava em vigor, por ter sido revogada pela Lei 6.910/80. "No entanto, com o advento da Lei 9.249/95, a causa extintiva da punibilidade foi novamente positivada e, tratando-se de norma penal mais favorável, impõe-se a sua aplicação na forma do artigo 5.º da Constituição", cravou o relator. Seu voto foi acompanhado pelos outros ministros da 1ª Turma do STF. "Considero que, no fundo, o crime de descaminho, a tipificação tem como escopo proteger a ordem tributária", anotou Ricardo Lewandowski.

"O descaminho também é espécie de sonegação fiscal e precisamos conceber que a persecução criminal, nesse campo, surge muito mais como meio coercitivo de chegar-se ao recolhimento do tributo", assinalou o ministro Marco Aurélio Mello.

fonte: http://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI138845,71043-Natureza+tributaria+do+crime+de+descaminho+e+reconhecida+pelo+STF

Comentário do Professor:

Medida importante, tendo em vista o bem jurídico tutelado pela norma incriminadora. Atente-se que o raciocínio é válido para o crime de descaminho, pois na modalidade contrabando, o que está em jogo é o ingresso clandestino de mercadoria cuja importação é proibida.

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